Com a participação de representantes dos artistas Gilberto Gil, Erasmo Carlos e Roberto Carlos, o Supremo Tribunal Federal (STF) fez uma audiência pública nesta segunda-feira, 27, num caso que pode decidir o futuro dos direitos autorais na era da internet.
A audiência foi motivada pela ação movida por Roberto e pelos herdeiros de Erasmo contra a editora Fermata do Brasil. Eles pedem a revisão de contratos assinados entre 1964 e 1987, que previam apenas a exploração das músicas em formatos analógicos – como LPs, CDs e DVDs -, sem mencionar os meios digitais.
O uso das obras desses cantores em plataformas de streaming, como o Spotify, por exemplo, embasa a alegação de violação contratual na remuneração aos autores. Os advogados da dupla alegam que os antigos documentos dão à Fermata o direito da exploração comercial de músicas gravadas apenas “em suporte material”, como vinis, CDs e DVDs. Argumentam ainda que, mesmo válida, a exploração nos meios digitais carece de transparência na prestação de contas.
A Fermata defende que a cessão dos direitos foi definitiva no momento da assinatura e continua válida mesmo com as mudanças tecnológicas. E diz que os contratos garantem à empresa o direito exclusivo de explorar comercialmente as músicas em qualquer formato, presente ou futuro.
Vinte e três expositores, entre especialistas, professores e representantes de artistas, gravadoras e associações e entidades ligadas ao setor musical, participaram da audiência conduzida pelo ministro Dias Toffoli, relator da ação. A produtora e ativista Paula Lavigne, esposa do cantor Caetano Veloso, estava inscrita para falar, mas faltou à audiência em razão de problemas pessoais.
Embora a ação não tenha como alvo as plataformas de streaming, parte das críticas dos expositores recaiu sobre a remuneração que elas conferem aos produtores de conteúdo. Especialistas pró-editoras, por sua vez, tentaram se colocar ao lado dos artistas e defenderam tanto a manutenção dos contratos quanto sua posição para negociar melhores condições com as companhias estrangeiras.
Letícia Provedel, advogada de Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura e sócio da empresa Gegê Produções, disse que é um “delírio” pensar que um cantor iria contratar uma editora na década de 1960 para explorar a obra dele em streaming, serviço que não existia. E que a Fermata não tem o direito de explorar a obra do Rei e de Erasmo porque não foi contratada para isso.
“As plataformas hoje pagam (aos artistas) quase automaticamente. Essa gestão está facilitada. O artista não precisa mais de uma editora para gerir seus direitos. Quando a Fermata diz que é uma parcela pequena, que ‘a gente paga 75% para o artista’… Excelência, estamos falando de 25% de toda a obra do Roberto Carlos durante toda a extensão da vida dele mais 70 anos depois que ele morrer. Estamos falando de muito dinheiro”, declarou a advogada.
Pedro Marques Nunes Barbosa, presidente da Comissão de Direitos Autorais da OAB-RJ, questionou o fato de plataformas de streaming não remunerarem artistas com um número de acessos inferior a determinado patamar. E cobrou fiscalização sobre grandes redes de streaming.
“Estamos diante de uma antiga discussão entre titularidade e controle. Se no passado Mozart poderia ter o direito sobre suas partituras e, portanto, o direito autoral não teria a mesma preocupação de hoje em dia, atualmente, com a reprodutibilidade técnica, os controles sobre os meios de produção importam para a fiscalização. (É preciso) remuneração justa e proporcional. Se (determinada música) só teve executados 30 segundos, que (as empresas) paguem pelos 30 segundos, e não a execução completa”, declarou Barbosa.
Paloma Pediani, da Associação Brasileira de Produtores de Som (Apro+Som), disse que os contratos foram firmados há décadas, quando os modelos de exploração da obra artística eram “totalmente diferentes”, e que era “impensável” para artistas e empresas a possibilidade de reprodução simultânea e acesso global ao conteúdo gravado, sem suportes físicos como eram as fitas e discos.
“O consumidor comprava o disco e podia reproduzi-lo quantas vezes quisesse, mas estava limitado dentro da residência dele. Essa reprodução não ia contar com algoritmos ou visualizações que contabilizariam alguma forma de pagamento. As plataformas tinham os conteúdos, mas não o controle da reprodução deles”, declarou Pediani.
“Os modelos de contratos foram feitos numa época em que, se o artista não assinasse um contrato, ele não seria ouvido. Hoje há outras possibilidades, onde muitas vezes ele não precisa fazer uma cessão total dos seus direitos autorais”, disse.
Bérith Santana, advogado de Roberto Carlos, pediu uma “reflexão” sobre a necessidade de a legislação brasileira equilibrar os interesses entre autores e empresas diante da revolução tecnológica pela qual passa o mundo nas últimas décadas. E disse que, desde quando a ação foi movida, em 2018, o País passou por transformações no ambiente digital que permitiram ao debate avançar.
“Antes (ter) status era andar com o case cheio de CDs. Aquele arcabouço jurídico pautado na ideia da posse não se comunica mais com o nosso momento do acesso irrestrito (a músicas nas plataformas de streaming)”, afirmou Santana.
Fernando José Gonçalves Acunha, advogado da Fermata, afirmou que as editoras se solidarizam com os autores e rebateu a ideia de que as partes estão de lados diferentes. Ele argumentou que as editoras recebem um percentual (em geral 25%) do que os autores produzem, e que aumentar a remuneração dos artistas é também do interesse delas, uma vez que também lucrariam mais desta forma.
Acunha afirmou que os autores basearam suas alegações em três fundamentos: que os contratos seriam de edição, não de cessão (o que foi afastado em decisões judiciais em instâncias inferiores, segundo ele); que falta transparência e há inadimplência de pagamentos (o advogado afirmou que os autores da ação não produziram prova sobre isso); e tentativa de aplicação retroativa da lei.
“A Editora Fermata está a favor dos autores. Ela sabe que os autores são relevantes, núcleo central deste mercado. As editoras recebem valores vinculados ao que os autores recebem. O que não podemos fazer é rasgar a legislação”, declarou.
Questionado por Toffoli sobre a queixa dos autores sobre a falta de fiscalização das editoras sobre o processo de remuneração dos autores, Acunha respondeu que as editoras contratam plataformas que compilam os diferentes relatórios produzidos pelas empresas de streaming (cada uma usa critérios próprios para medir as estatísticas das músicas produzidas pelos artistas), cujo custo é bancado pelas próprias editoras.
Carlos Ragazzo, professor da Escola de Direito da FGV, argumentou que o papel das editoras é de centralizar a gestão dos catálogos e negociar com as plataformas digitais. Ele afirmou que não se trata da primeira vez que transformações tecnológicas afetam o debate sobre direitos autorais. Para o professor, após “vários fluxos contínuos de inovação”, do CD para o DVD, e então para o digital, e depois para o streaming, a relação entre autores e editores não se alterou, “o que se alterou foi a relação com as plataformas digitais”.
“Será que a editora não é a melhor para lidar com esse modelo do que os autores individualmente podem fazer? O que acontece se você quebrar essa estrutura que existe hoje em dia? Para além da insegurança jurídica, cria-se um incentivo para sempre que tiver uma inovação tecnológica quebrar-se contratos para buscar soluções comerciais melhores, mas feito de maneira individual e não coletiva”, afirmou.
Deborah Sztajnberg, integrante da Comissão de Direito Autoral do Instituto dos Advogados Brasileiros, comparou os mundos analógico (venda de cópias físicas, custo da cópia, distribuição nacional e consumidor passivo) e digital (streaming, custo marginal zero, globalização imediata e consumidor ativo) para defender que as condições em que os contratos foram assinados décadas atrás não refletem mais o mercado atual.
Para ela, empresas de streaming e inteligência artificial procuram cada vez mais a monetização, e não necessariamente o conteúdo produzido por artistas reais. “Não basta ao autor criar, ele tem que fiscalizar também. O caminho para a justiça e a equidade passa pela justa remuneração, e eles não tem uma justa remuneração”, disse ela.
Representante da União Brasileira de Editoras de Música (Ubem), Gustavo Binenbojm disse que o rompimento abrupto a contratos assinados antes de 1998 (Lei dos Direitos Autorais) seria uma “violação à cláusula constitucional do devido processo legal”, e que deixar a negociação entre autores e plataformas de streaming, sem as editoras, representaria um “retrocesso”.
Como o caso teve repercussão geral reconhecida pelo STF, a decisão que vier a ser tomada, pelo plenário da Corte, servirá de referência para todos os processos semelhantes em tramitação na Justiça brasileira.
Por:Estadão Conteúdo
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