Veja a íntegra do discurso de posse de Edson Fachin na presidência do STF

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Por Redação O Estado de S. Paulo – 29/09/2025 21:57

Veja a íntegra do discurso de posse de Edson Fachin na Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira, 29.

Senhoras e Senhores,

Era uma manhã de sol e poeira. Meu pai e eu, vindos da colônia, caminhávamos com pressa rumo à agência do Banco do Brasil. Próximos ao centro, ele segurou meu braço e, em tom grave e sereno, advertiu: diminua o passo, vá devagar, respeite – à frente está o juiz da Comarca.

Na simplicidade daquele gesto, havia a lição silenciosa do respeito. Essa imagem de infância permanece viva em minha memória. Foi esse juiz interior que, em 2015, tomou posse comigo neste Tribunal. E é essa função paterna, agora amadurecida, que hoje me conduz à Presidência.

Assumo, não um poder, mas um dever: respeitar a Constituição e apreender limites. Buscaremos cultivar a virtude do discernimento, para eleger, entre as tantas boas ideias que as administrações anteriores tiveram, aquelas cuja hora tenha chegado, e para não impedir de frutificarem aquelas já maduras.

Presidir o Tribunal guardião da Constituição do Estado de Direito democrático, portanto, não confere privilégios: amplia Responsabilidades.

Da Presidência se despede um dos juristas mais talentosos da minha geração, o Ministro Luís Roberto Barroso. Ao amigo fraterno desejo, para o bem do país e de todos nós, que conserve sempre a vitalidade intelectual, a inspiração que lhe é própria e a juventude de espírito que o distingue.

Terei ao lado o Vice-Presidente Alexandre de Moraes, magistrado que engrandece este Tribunal, e que aqui chegou com uma carreira consolidada como jurista e professor de direito constitucional. É um amigo e um juiz feito fortaleza. Sua Excelência, como integrante deste tribunal, merece nossa saudação e nossa solidariedade, e sempre a receberá, como assim o faremos em desagravo a cada membro deste colegiado, a cada juiz ou juíza deste país, em defesa justa do exercício autônomo e independente da magistratura.

Estou certo de que o Tribunal que integro e que passo a presidir não falta à Constituição nem deslustra a sua tradição. Com serenidade, empenhar-me-ei na preservação dos valores que moldam a identidade do Supremo Tribunal Federal.

Impende voltar-se ao básico. Queremos racionalidade, diálogo e discernimento. Nossa matéria há de ser empírica e verificável. Antes mesmo dos direitos ou das garantias temos deveres a cumprir. A dinâmica que enlaça tradição e movimento projeta mudanças sem açodamentos, senda na qual caminharemos.

Na cadeira de Presidente encontro não apenas um assento, e sim a presença viva dos mestres que me formaram e a memória generosa das pessoas que me apoiaram nesta caminhada.

Uma fé moldou a minha história. Como tantas mulheres brasileiras, minha mãe contou com a educação como caminho de transformação. Fui para a cidade grande estudar, sem passagem de volta. E hoje estou aqui.

Da escola rural em que recebi das mãos de minha mãe as primeiras letras ao me alfabetizar, guardo o melhor da minha formação: a fidúcia e o compromisso. A minha caminhada foi feita desse legado, concebido e nascido no Planalto Médio gaúcho e que se reconheceu cultivado no Paraná.

Ingressei numa grande e histórica universidade pública, a Universidade do Mate, única chance para fazer um curso universitário. Ainda estudante da Universidade Federal do Paraná, não me fiz indiferente ao que pulsa até hoje no prédio histórico de 1912. A terra das Araucárias me acolheu por adoção, e lá, de 1972, herdamos a histórica Declaração de Curitiba pela restauração da democracia. Também lá, em 1978, a VII Conferência da OAB, presidida por Raymundo Faoro, nos inspirou com a retomada do Estado de Direito.

Hauri das salas de aula que a pátria deve ser uma mãe simbólica que tece para seus filhos um laço de identidade coletiva, sem exclusões, nem discriminações. É uma árvore frondosa cujo tronco se funda nas diversas e fecundas raízes de nossas bases culturais. Por isso, o Estado e a sociedade devem ser democráticos e republicanos. Aprendi ainda mais com o desassombro e os embates de pessoas como o professor paranaense José Rodrigues Vieira Netto, catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, que defenderam a democracia e os direitos fundamentais, e é pela obra deles que a nossa geração vive sob o regime democrático.

Seguimos também a lição de Dalmo Dallari, que foi sequestrado e espancado às vésperas da visita de João Paulo II em 1980, e ainda assim, se fez presente, para falar ao Papa. Ele chegou numa ambulância e em cadeira de rodas para proclamar a Carta aos Romanos e disse: “É com o coração que se crê para alcançar a justiça” (Romanos 10:10).

Tinha razões para tanto o professor Dalmo. A fé antecede as instituições – e digo isso não necessariamente em sentido religioso, e sim na perspectiva da ciência política. A mensagem é simples: só há autoridade verdadeira quando há confiança coletiva no que é justo. A determinação de Dallari foi testemunho de que, antes mesmo das instituições, existe a crença que as materializa.

Não se trata apenas de excluir razões que não sejam as da lei, mas de querer que não haja outra razão senão a lei.

Sou de uma geração que carregou o sonho de um país melhor. Não há poder maior que esse e é ele que amalgamou a Constituinte em 1988. Essa virtude – dar crédito antes mesmo de ver – precedeu nossas conquistas republicanas e democráticas.

Não é menor a importância da rousseauniana virtude de quem acredita na ética republicana e na força do trabalho com igualdade de oportunidades e de recursos, e que, por isso mesmo, rejeita as facilidades, os favores e a astúcia para burlar normas de conduta, como também rejeita a censura, a violência, a truculência.

A Constituição de 1988 nasceu da resistência cívica, e antes dela havia a chama da esperança. Ela informou o texto constitucional. Ela continua acessa. E nós vamos mantê-la.

Senhoras e Senhores,

Renovo hoje nosso juramento e assumo a Presidência com esse mesmo alento, com o respeito e a deferência ao dissenso e à diferença.

Realçando a colegialidade, aqui venho a fim de fomentar estabilidade institucional. O país precisa de previsibilidade nas relações jurídicas e confiança entre os Poderes. O Tribunal tem o dever de garantir a ordem constitucional com equilíbrio.

Hoje é dia de reafirmar compromissos. É mandatório respeitar as leis e as instituições. Contudo, a verdade é que as pessoas precisam querer e ter razões para confiar no sistema de justiça.

Impende ter consciência das condições históricas que o presente traduz. É tempo de realimentar os elementos fundantes da estrutura do Estado brasileiro, e com isso reforçar os princípios que informam a democracia na República.

Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao Direito, o que é do Direito. À Política, o que é da Política.

A espacialidade da Política é delimitada pela Constituição. A separação dos poderes não autoriza nenhum deles a atuar segundo objetivos que se distanciem do bem comum.

O genuíno Estado de Direito conduz à democracia. O governo de leis e não o governo da violência: eis o imperativo democrático capaz de zurzir o autoritarismo.

Sofre o Judiciário efeitos reflexos do cenário mundial de disputas pela hegemonia global entre nações e corporações econômicas, com largos efeitos sobre nosso país.

O Brasil, assim como grande parte das nações, sabe a uma conjuntura econômica desafiadora, marcada por variáveis interdependentes que extrapolam o campo estritamente econômico e repercutem também nas esferas sociais, políticas e judiciais.

Senhoras e Senhores,

Jamais deixaremos de dialogar com os poderes e com a sociedade, sem exclusões nem discriminações. Constituirá diretamente atribuição desta Presidência a condução da conversação e do relacionamento institucional, especialmente os diálogos republicanos entre os poderes, nada obstante o farei em caráter integrado e participativo.

Sem embargo dessa disposição que será integral, a nossa matéria prima está somente no sistema de justiça. Nossas diretrizes, por isso mesmo, vertem preocupações e estratégias operacionais específicas, a exemplo da inovação tecnológica, da inclusão social e da transparência institucional, e com o fortalecimento da Justiça de base, reforçando a confiança da população no Judiciário. Assumo aqui compromisso de uma gestão austera no uso dos recursos públicos pelo Judiciário. A diretriz será a austeridade.

Procuraremos distinguir o necessário do contingente. Contudo, se se fizer do contingente aquilo que se impõe como necessário, não hesitaremos em fazer a travessia das verdades dos fatos às verdades da razão. E em momento algum titubearemos no controle de constitucionalidade de lei ou emenda que afronte a Constituição, os direitos fundamentais e a ordem democrática.

Para fazer a parte que nos toca, defendemos desde já um plano de ação para o Poder Judiciário brasileiro.

Muitos são os desafios que estão presentes: judicialização crescente de demandas sociais; dificuldades em se garantir acesso à justiça aos mais vulneráveis em todos os rincões do país; alterações climáticas, eventos extremos e disputas pelo uso e preservação dos recursos naturais; impactos diversos, como os decorrentes das novas tecnologias e da transformação digital; da automação inteligente e da hiper conectividade; da biorevolução e dos problemas éticos das biotecnologias; da desinformação no universo digital e fora dele; da transformação nos conteúdos, formatos e relações de trabalho; do crime organizado em rede; e da transição demográfica. E tudo isso em um ambiente internacional em forte transformação, marcado por crescentes tensões geopolíticas e dominado pela incerteza.

Para enfrentá-los deve o Poder Judiciário manter a missão de ser acessível, íntegro, ágil e efetivo, para a garantia do Estado de Direito democrático e promoção de direitos, por meio do respeito à Constituição. São valores nessa jornada: os direitos humanos e fundamentais, a segurança jurídica, a transparência, bem como a sustentabilidade, a integridade e a ética, e ainda: eficiência e efetividade, diversidade e equidade, cooperação, valorização das pessoas, os ‘seres humanos de carne e osso’, com acessibilidade e Inclusão.

Mais especificamente nesse biênio, a gestão será guiada em seus objetivos estratégicos, metas e indicadores, por compromissos claros vincados pelos direitos humanos e fundamentais:

* segurança jurídica como base da confiança pública;

* sustentabilidade como dever intergeracional;

* diversidade, igualdade e respeito à pluralidade;

* transformação digital para aproximar a Justiça do povo;

* e, a permear tudo o mais, colegialidade na pauta, porquanto a força desta Corte está no colegiado.

A obrigação é aplicar a Constituição com atenção prioritária àqueles que são historicamente esquecidos, silenciados ou discriminados. Isso exige promover acesso à justiça, à diversidade, à paridade e ao respeito à alteridade.

A confiabilidade da promessa de um futuro melhor depende também que ele seja possível. Precisamos estar atentos para entender como diferentes formas de desigualdade e discriminação não atuam isoladamente, mas se cruzam e se reforçam mutuamente na vida das pessoas.

Para o enorme número de pessoas negras neste país, essa, no entanto, é sequer uma possibilidade. A grande força contida na Constituição se firma pelo exemplo delas: preservaram sua fé – não a da resignação, e sim aquela que funda a resistência. Essa é uma herança viva que nos ensinou a sobreviver ao inominável e a acreditar que a liberdade e a igualdade real ainda são possíveis. Assegurar a igualdade e enfrentar a discriminação racial passa também pela proteção das terras e das expressões culturais e modos de vida.

Realço, ainda, em nossa gestão, o compromisso com a plena liberdade de imprensa e a liberdade de pensamento e de expressão. Princípios devem se converter em ações concretas. Para isso, cumpre também fortalecer o ambiente institucional do Supremo Tribunal Federal por meio de iniciativas estruturadas de valorização e bem-estar dos servidores.

Introduziremos novos mecanismos aptos a propiciarem mais estreito diálogo entre conhecimento e experiência, entre teoria e prática, pavimentando caminhos entre o Judiciário e a Academia. Para tanto, endereçaremos nossos esforços na instalação de um centro de estudos constitucionais. Desde já, com essa finalidade, a Presidência passa a contar com uma específica assessoria acadêmica.

Também fomentaremos a institucionalização digital da transparência como plataforma de acesso a dados, além de levarmos a efeito projetos voltados para as relações institucionais com países da América Latina.

Publicidade e acessibilidade da informação precisam estar juntas. Vamos incrementar essas diretrizes, adotar critérios públicos com dados e relatórios mediante uma matriz de relevância da pauta. A pauta é da instituição e não apenas da Presidência.

Desse modo a Presidência se orientará por uma agenda de julgamentos construída de forma colegiada, que privilegie as ações em que a Corte reafirme seu compromisso com os direitos humanos e fundamentais.

Nossa comunicação se dará por meio da linguagem cidadã, promovendo transparência, proximidade com a sociedade e credibilidade institucional, valendo-nos das ferramentas que colorem as possibilidades criativas da arte e da cultura. Para tanto, criaremos uma rede Nacional de Comunicação do Poder Judiciário.

Há ainda um grave desafio. Cumpre vigiar o ‘cupim da República’, como o denominou Ulisses Guimarães, porquanto devem os gestores e titulares de funções públicas em geral, de todos os poderes, resistir aos apelos de Circe, que mesmeriza e distorce o espírito republicano. A resposta à corrupção deve ser firme, constante e institucional. O Judiciário não deve cruzar os braços diante da improbidade. Como fiz em todas as investigações que passaram pelo meu gabinete, os procedimentos foram dentro das normas legais, em atenção ao devido processo, à ampla defesa e ao contraditório. Ninguém está acima das instituições, elas são imprescindíveis e somos melhores com elas.

O Brasil é plural. Não devem também ser indiferentes ao Judiciário as legítimas aspirações dos setores produtivos, motores fortes para o desenvolvimento econômico e social do país.

É também nosso encargo observar e fazer cumprir os mandamentos constitucionais da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano decente e na livre iniciativa, a fim de assegurar existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Vivemos tempos de novos desafios para a institucionalidade. A manipulação da informação – frequentemente potencializada nas plataformas digitais – e a desinformação testam nossas instituições. A revolução digital não é um fim em si mesmo. Ela deve estar a serviço da cidadania e da inclusão. Quanto mais digital, acessível e transparente, mais se aproxima o Judiciário do povo, ao mesmo tempo em que reduz barreiras e amplia a compreensão pública sobre sua atuação.

Aprofundaremos o objetivo de estruturar a transformação digital do Judiciário a partir da governança de tecnologia e foco nos usuários dos serviços públicos digitais. Praticaremos a transparência ativa com dados estruturados e acessíveis.

Também é hora de ouvir mais. Grupos vulneráveis não podem ser ignorados. A escuta é um dever da Justiça, e com a garantia do espaço de autodeterminação das origens plurais das pessoas, povos e comunidades, em igual dignidade.

O século XXI amanheceu doente. A natureza nos interpela e reclama seus direitos. A justiça socioambiental tem um grande débito a saldar com a crise climática, pois a Constituição de 1988 consagrou a proteção ecológica como encargo do Estado e da sociedade. Não há justiça sem compromisso ambiental.

Às comunidades indígenas são endereçadas as proteções constitucionais e seus direitos originários às terras tradicionais. E no âmbito e limite de nossas atribuições, estaremos atentos aos correlatos deveres de um tribunal constitucional nesse tema, a fim de que a Constituição seja efetivada para assegurar esse direito que compreende respeito integral às suas culturas, línguas, crenças e formas próprias de organização.

Diversos objetivos estratégicos nos guiarão também no Conselho Nacional de Justiça.

Vamos realçar o perfil de controle administrativo do Conselho Nacional de Justiça e seu propósito de promover políticas públicas judiciárias à luz de sua atividade-fim.

A partir de uma institucionalidade responsável, insere-se o Conselho Nacional de Justiça como órgão central na atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, competindo-lhe prevenir, detectar e corrigir condutas potencialmente desviantes e desenvolver mecanismos de atenção aos riscos de integridade, bem ainda atuar com transparência sobremaneira ativa na interação com os diversos ramos do setor público e privado.

Dadas essas premissas, cumpre avançar e dar um passo a mais, porquanto se torna oportuna a criação de um Observatório de Integridade e Transparência, que possa dar conta de reunir, analisar e agir com presteza em favor da legitimidade do Poder Judiciário Brasileiro.

Impende manter e aprofundar o enfrentamento da hiper litigiosidade e da morosidade processual. Da meta já bem estruturada quanto à redução da Litigiosidade, com foco inicial em Previdência, automação da Execução Fiscal, e indução ao maior uso de precedentes pelas instâncias inferiores, prosseguiremos com afinco para o estímulo de soluções não judicializadas de controvérsias.

Não se pode esmorecer a atenção com os dramas da justiça criminal, traço comum a todas as administrações que me antecederam, desde a pioneira atuação nos mutirões carcerários do nosso Decano, o Ministro Gilmar Mendes, até a homologação do Plano Pena Justa na gestão do Ministro Luís Roberto Barroso.

Quem é conivente com os abusos do cárcere alimenta o crime organizado. Segurança pública e direitos fundamentais não são opostos. São complementares. Sem segurança, não há paz. Sem paz, não há justiça.

Quanto à macrocriminalidade, será estudada a formação de uma rede nacional de juízes criminais com competência sobre Organizações Criminosas. No combate às organizações criminosas – mafiosas, empresariais, institucionais ou em rede, inclusive no domínio ambiental e transnacional – proporemos a análise de um tripé de ações imediatas: Mapa Nacional do Crime Organizado; Manual de Gestão das Unidades Especializadas, e Pacto Interinstitucional para seu Enfrentamento. Em paralelo, manteremos o foco nos crimes dolosos contra a vida e em delitos digitais que hoje tanto afligem a sociedade.

Iremos articular a proteção de direitos humanos com o sistema interamericano, bem como atentar para a primazia de zelo com os direitos sociais, o trabalho decente e a vida digna, a infância, a juventude e a proteção das famílias. O Brasil tem compromisso vinculante com tratados e convenções internacionais de direitos humanos. E deve olhar com respeito ao constitucionalismo latino- americano para sorver conhecimentos e experiências, sobretudo com nossos países vizinhos e irmãos.

Disse há pouco que só pude estar aqui porque alguém por mim não esmoreceu e porque tenho companhia de passo firme. Sou devedor do crédito que me foi concedido. As mulheres conhecem bem as dificuldades que uma sociedade ainda carimbada pela desigualdade de gênero lhes impõe. Por isso mesmo, temos um encontro marcado com esse âmbito da igualdade e o Judiciário não se furtará a este dever.

Em nossa gestão, no cerne, sempre, estará a infância, porque acreditamos, como sempre acreditou o saudoso juiz Edinaldo César Santos Júnior que, no melhor interesse das crianças, observá-las como prioridade absoluta é essencial e, no Brasil, uma missão constitucional.

Devemos colocar a infância e a juventude, a proteção dos idosos e da mulher contra as inúmeras formas de violência, no alto das prioridades do sistema de justiça e da promoção de políticas públicas judiciárias. Enfrentar o feminicídio deve significar que estaremos, pelas famílias e pelas mulheres, em toda parte e por todas elas. Também por isso, a atuação será por diretrizes judiciárias em prol do direito pleno à saúde. Simultaneamente, ali também estaremos com o olhar voltado para as pessoas com deficiência e para as vulnerabilidades das minorias e de quem sobre violência física, simbólica e psicológica.

Senhoras e Senhores,

Registro aqui minha especial saudação à magistratura brasileira: conte com este Supremo para garantir a independência e a autonomia do Poder Judiciário. Uma sociedade que não tem justiça, vive do arbítrio, cultiva a hipocrisia e perde a igualdade. A nossa credibilidade é diretamente proporcional à capacidade de, por meio do processo e da atuação proba e imparcial, dar respostas jurídicas, técnicas e adequadas à realidade. A legitimidade do Sistema de Justiça está em sua capacidade de respeitar e de fazer respeitar a Constituição, protegendo-a e tornando-a viva e compreensível no seio da sociedade.

Cabe a nós, juízes, não apenas resolver conflitos, como também construir um ambiente estável, previsível e confiável para as relações sociais e econômicas.

Colho a oportunidade para relembrar que o Judiciário é lugar de vocações genuínas e de serviço público integral. É um poder a serviço da sociedade. Juízes educam também por seus exemplos. Servidores públicos que somos, temos direito a um padrão remuneratório digno, que ao mesmo tempo assegure a independência funcional e não perpetue privilégios, nem deixe diluir seu senso de propósito.

Transparência é a chave quanto às modalidades de remuneração. Nosso respeito intransigente à dignidade da carreira, irá na mesma medida conter abusos.

Responder ao chamado da magistratura é abraçar um ofício que exige tanto conhecimento técnico e equilíbrio, quanto firmeza moral, espírito público e um profundo compromisso com os princípios mais elevados da moralidade e de uma sociedade justa, livre e solidária. Todo juiz brasileiro é um magistrado constitucional e veste com independência a toga do sistema interamericano de direitos humanos e fundamentais.

A independência judicial não é um privilégio, e sim uma condição republicana. Um Judiciário submisso, seja a quem for, mesmo que seja ao populismo, perde sua credibilidade. A prestação jurisdicional não é espetáculo. Exige contenção.

Senhoras e Senhores,

Rendo minha homenagem aos que vieram antes – a familiares, mestres, e aqui neste tribunal especialmente ao saudoso Ministro Teori Zavascki.

Uma homenagem realço à Ministra Rosa Weber, nome que se inscreveu na história como escudo vigilante erguido na salvaguarda desta instituição.

Agradeço a meus colegas, enternecido, esses mais de dez anos de convivência e de aprendizado. Aos Ministros de ontem, de hoje e de sempre, um sincero gesto de graças.

Agradeço às servidoras e aos servidores deste Tribunal e do Conselho Nacional de Justiça. Agradeço aos servidores de nosso gabinete que agora terão desafio redobrado.

Senhoras e Senhores,

Não alimento a ilusão de que seremos capazes, no átimo de nossas vidas, de resolver todos os dilemas que nos assolam.

Nossa expectativa é simples: mesmo no dissenso e no conflito, conviver sem renunciar à paz. É a democracia que materializa esse ideal; sem embargo, é a institucionalidade e a justiça que o tornam possível. Era o lema de Dalmo Dallari na Comissão de Justiça e Paz: se queres a paz, trabalha pela Justiça.

A Justiça somos mais de 18 mil juízes, selecionados, em sua imensa maioria, por rígidas provas de concurso público. Por influência da família ou por determinação própria, são brasileiras e brasileiros que acreditaram nos estudos e sonharam em contribuir com o futuro do país.

Cada uma dessas pessoas, em seu percurso, guarda a memória de suas raízes, honra a sua ancestralidade, constrói seu projeto de vida e se autodetermina, entregando-se a esse chamado da justiça. Onde estiver um juiz ou uma juíza, considerem-me ali, ao seu lado, em defesa de suas garantias e funções. Não estarão só.

Assumo essa missão com a mesma determinação que fortalece mães que criaram filhos sozinhas, que revigoraram quem resistiu à repressão e quem proclamou a Justiça mesmo ferido.

Eles acreditaram, seus filhos ainda acreditam que este país pode ser melhor e mais justo, e eu também creio.

Estamos preparados. Não nos falta tenacidade e propósito. Nossa gestão carrega com todas as forças a esperança de que manteremos o contrato fundado pela Constituição, desde o preâmbulo, para proteger os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, numa sociedade fraterna, plural e sem preconceitos.

Agradeço, em especial, à minha família. Gratidão é pouco e não diz tudo o que se inscreve perene em meu coração. Aqui vos fala o fruto de vosso ventre amoroso, vertido ser vivente pelas três forças femininas de nossa casa, a mãe e nossas duas filhas. Essas mulheres em família não apenas construíram com seus companheiros a casa e o abrigo, mas deram-nos as chaves para abrir o futuro que se embala em genros, netas e neto.

Manterei nítida a imagem do juiz que habita em mim tendo como paradigma o encontro naquela manhã de sol e poeira em Toledo, no Oeste do Paraná. Bem haja a magistratura que merece esse respeito. Bem haja quem ensina por suas ações e comportamentos.

Tal como uma família numa ‘casa comum’, o País anseia por um futuro em que possa respirar mais respeito e mais justiça, mais fraternidade e mais solidariedade. A Nação brasileira merece mais e melhor. E o Judiciário, tal como o filho que nunca foge à luta, se alça em sua missão institucional sem dela se desviar.

O presente nos interpela e o amanhã nos convoca. Aqui estamos.

Muito obrigado.



Por: Estadão Conteúdo

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