O presidente do Banco Central, Gabriel Galipolo, disse nesta quarta-feira, 27, que a convergência da inflação à meta está em curso, mas ocorre de forma lenta e, justamente por isso, a autoridade monetária decidiu manter a taxa de juros em campo restritivo. A Selic está hoje em 15,00% ao ano.
“A gente vem reforçando que essa taxa de juros deve permanecer por um período prolongado nesse patamar restritivo, justamente porque a gente está num cenário de ter descumprido a meta”, disse, Galípolo, em participação em palestra na abertura do 33º Congresso e Expo Fenabrave, com o tema “Conectando o Presente e o Futuro”, da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), em São Paulo.
Momentos antes, ele narrou a evolução dos juros desde 2023 até hoje. Galípolo ressaltou que, após um ciclo de cortes e de altas, a taxa básica de juros, a Selic estacionou em nível restritivo, tanto na série histórica do Banco Central como em relação aos pares do Brasil.
As expectativas de mercado e as projeções do Banco Central, segundo ele, ainda mostram que a convergência para a meta ocorre de forma lenta. “É isso que tem demandado uma política monetária mais restritiva”, justificou.
O presidente do Banco Central voltou a dizer que a comunicação é parte fundamental da política monetária. “Este tipo de oportunidade é muito importante para o Banco Central porque o tema da comunicação é parte muito relevante da formulação da política e da execução da política monetária”, afirmou.
Perda de força
Galípolo disse também que se a inflação sobe, a política monetária perde a força mesmo se o nível do juro estiver alto. Ele lembrou que o BC vinha num processo de flexibilização monetária desde o segundo semestre de 2023 até o final de 2024. “Se você tem um processo de aceleração da inflação, o que acaba acontecendo é que você está vendo a inflação andar e a taxa de juros – que nós chamamos de taxa de juros real -, ela está reduzindo. Ou seja, ao mesmo tempo que a meta está sendo perdida e está se desgarrando, você tem menos aperto monetário, a política vai estar fazendo menos do trabalho dela”, explicou.
Recordou também que a taxa de juros nominal no Brasil hoje está em 15% ao ano, mas que o juro real desconta a inflação, a grosso modo. “A inflação come o juro nominal e o juro real é o juros nominal menos a inflação. Então, num processo de elevação da inflação, você está vendo a meta escapar e, simultaneamente, ficar menos apertada a política monetária, e deveria justamente estar apertada para perseguir a meta”, continuou.
Ainda sobre o histórico, o banqueiro central salientou que a inflação fechou 2024 acima de 4,8% e com isso, mesmo com a banda de 1,5 ponto porcentual, houve estouro do objetivo perseguido pelo BC. “Então eu já assumo, em janeiro, tendo que escrever uma carta para o ministro da Fazenda justificando o por que a gente não conseguiu cumprir a meta de 2024.”
Galípolo recordou depois que houve transição do modelo de meta de ano calendário para meta contínua, quando o BC passa a analisar a inflação mês a mês em 12 meses. Se a inflação estiver durante seis meses consecutivos acima da meta, o Banco Central tem que escrever uma outra carta. “Então eu tenho esse recorde que eu não me orgulho muito de ter sido presidente do Banco Central e ter que escrever duas cartas num ano só porque eu peguei a transição de modelo”, disse.
Transmissão via crédito
O presidente do Banco Central avaliou que a economia brasileira é resiliente, mas dá sinais de transmissão da política monetária por meio do crédito. Ao entrar no tema, Galípolo voltou a falar que encontra dificuldade em explicar no exterior como, mesmo com juro alto, o Brasil continua a registrar um crescimento forte de seu Produto Interno Bruto (PIB).
Ele salientou também que as revisões para o PIB doméstico foram refeitas várias vezes ao longo dos últimos quatro anos, com as sucessivas surpresas para cima. Essa discussão, repetiu, levantou alguns questionamentos sobre a potência de política monetária. “Será que os canais de política monetária estão desimpedidos e funcionando de maneira como deveriam funcionar?”, questionou, salientando que há três décadas o Brasil vive com taxas de juros bastante elevadas, quando comparado com seus pares.
Para o presidente do BC, o que foi visto nos últimos anos foi uma mudança na potência da política fiscal no estímulo da economia. Seria por causa da política fiscal, conforme Galípolo, que a economia acabou respondendo com mais crescimento do que se imaginava. Ele também falou que, ao produzir uma política tributária que é mais progressiva, e ter programas que também são mais progressivos do ponto de vista da distribuição de renda, aumenta-se a propensão a consumir e isso aumenta o dinamismo da economia. E cabe ao Banco Central, segundo seu presidente, tentar interpretar e entender o que está acontecendo de maneira objetiva.
“O que parece ter acontecido é que a renda tem se mostrado bastante resiliente. Estamos com o nível de desemprego mais baixo da série histórica, batendo 5,8%, dessazonalizado 5,7%, é o menor nível de desemprego da série histórica, e estamos com o nível mais alto de renda do trabalhador Então, mesmo com uma taxa de juros restritiva, a gente vê uma demanda mais forte”, considerou Galípolo.
Por: Estadão Conteúdo