O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu nesta quarta-feira, 27, que crianças e adolescentes trazidos ilegalmente ao Brasil não devem ser repatriados se houver suspeita de violência doméstica no país de origem. A norma vale mesmo que as crianças não sejam vítimas diretas das agressões.
Segundo a decisão, antes de autorizar o retorno das crianças, a Justiça brasileira deve avaliar se há indícios “objetivos e concretos da situação de risco”, levando em consideração o melhor interesse da criança e a perspectiva de gênero.
“Fatos públicos e notórios” também podem ser usados pelos juízes para embasar suas decisões, como guerras e situações de violência estrutural contra mulheres.
“O pedido de retorno da criança ao país de residência habitual deve ser avaliado com cuidado, sensibilidade e atenção. É preciso ter cautela para que no afã de cumprir a convenção não seja determinado o retorno de uma criança a um ambiente tóxico”, defendeu o ministro Dias Toffoli.
Em muitos casos, as crianças são levadas pelas mães, que fogem de um contexto de violência doméstica. Com isso, violam a guarda dos filhos.
A ministra Cármen Lúcia, única mulher no STF, criticou a revitimização das mães. “Se essa mulher estivesse em ótimas condições certamente ela nem sairia do país nas condições precárias que ela sai, quase como uma fugitiva mesmo”, destacou a ministra.
Os ministros fixaram critérios para a aplicação da Convenção da Haia sobre o sequestro de menores de idade, que permite negar a repatriação de crianças em caso de “risco grave”. O tratado internacional foi incorporado no ordenamento jurídico brasileiro em 2000.
A decisão do STF tem repercussão geral, ou seja, deve ser usada por todos os juízes e tribunais do País para decidir casos sobre o sequestro internacional de menores.
O Supremo também definiu que os processos sobre a repatriação de crianças e adolescentes passarão a ter prioridade na Justiça. Segundo a decisão, essas ações devem ser concluídas no prazo máximo de um ano, “mediante contraditório e ampla defesa”.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra o Poder Judiciário, ficou responsável por elaborar em até 60 dias uma proposta de resolução para acelerar a tramitação desses processos.
Além disso, os Tribunais Regionais Federais devem concentrar a competência para processar e julgar essas ações nas capitais. O objetivo é tentar uniformizar as decisões. Devem ainda criar núcleos de apoio especializado para incentivar a conciliação, fazer perícias psicossociais e oferecer apoio técnico e metodológico aos magistrados.
O STF mandou notificar o Ministério das Relações Exteriores para criar um protocolo de atendimento a mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, que deve ser adotado em todas as unidades consulares do Brasil no exterior.
O Congresso também será acionado para avaliar se há necessidade de editar legislação específica para regulamentar a Convenção da Haia, especialmente em relação aos aspectos processuais e probatórios da aplicação do tratado.
Por: Estadão Conteúdo