Saiba O Que Está em Jogo no Debate do Senado Sobre a Legalização dos Cassinos

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O Brasil pode estar prestes a viver uma das maiores transformações no setor de entretenimento e turismo das últimas décadas: a legalização de cassinos, bingos, caça-níqueis e até do tradicional jogo do bicho. A proposta, porém, está longe de ser consenso e reacende discussões antigas sobre economia, turismo, moralidade e riscos sociais.

O projeto voltou ao centro das atenções após ser incluído na pauta do Senado, mas, em meio a divergências e polêmicas, a votação no Plenário foi novamente adiada. A incerteza sobre quando ela acontecerá só aumenta as especulações sobre o futuro dos jogos no país.

Por que o debate voltou agora?

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), justificou a retirada da proposta da pauta alegando baixo quórum e forte divisão entre os parlamentares. “Há divergência clara sobre o tema e pedidos para que mais senadores participem da votação”, declarou.

Apesar do adiamento, a pressão para votar é grande. A legalização de jogos de azar volta e meia ressurge no Congresso, mas ganhou força nos últimos anos por causa do avanço dos jogos online. Afinal, desde 2018 as apostas esportivas foram autorizadas, e, em 2023, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foram regulamentadas por meio da chamada Lei das Bets, que também trouxe a modalidade online de cassinos legalizados no brasil.

Se o ambiente virtual já está regulamentado, por que não os jogos presenciais? É essa a lógica defendida por quem apoia o projeto. O argumento é simples: não faz sentido manter cassinos virtuais funcionando legalmente enquanto cassinos físicos permanecem proibidos, perdendo oportunidades de arrecadação e empregos.

O que prevê o projeto?

O texto em discussão no Senado autoriza a construção de cassinos físicos, mas com regras rígidas. Eles só poderiam operar em polos turísticos ou complexos integrados a resorts e hotéis de luxo. A ideia é atrair turistas e movimentar a economia local, especialmente em destinos estratégicos.

Os limites também chamam atenção: cada Estado poderia ter apenas um cassino, com exceções para São Paulo (até três), Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará (até dois cada). Também haveria regras para cassinos em navios fluviais e marítimos.

E não para por aí. O projeto inclui a legalização de bingos – tanto os tradicionais, com cartela, quanto os eletrônicos – e prevê uma casa para cada município. Cidades maiores poderiam ter mais estabelecimentos, seguindo a proporção de um para cada 150 mil habitantes.

Outro ponto polêmico é a legalização do jogo do bicho, prática enraizada na cultura popular, mas que hoje é contravenção penal. Pelo texto, empresas credenciadas poderiam explorar essa atividade, com limites proporcionais à população de cada Estado.

As máquinas caça-níqueis também entraram na proposta, mas sob condições: todas precisariam ser registradas oficialmente e passar por auditorias regulares para garantir a integridade do sistema.

Quanto isso pode render para o país?

Os números apresentados pelo relator do projeto, senador Irajá Abreu (PSD-TO), são grandiosos: investimentos de até R$ 100 bilhões e geração de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos. Além disso, a arrecadação anual estimada gira em torno de R$ 22 bilhões.

Para alcançar isso, o projeto cria dois tributos específicos:

  • Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas (Tafija): valor trimestral de R$ 600 mil para cassinos, R$ 300 mil para operadores de jogos online e R$ 20 mil para casas de bingo e jogo do bicho.
  • Cide-Jogos: contribuição de até 17% sobre a receita bruta (valor das apostas menos prêmios pagos).

Parte do dinheiro seria destinada a programas sociais, como combate ao vício em jogos, saúde, segurança, educação e até financiamento estudantil. Haveria também recursos para o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente e 1% da arrecadação para o esporte olímpico e paralímpico.

Para o apostador, a proposta define que ganhos acima de R$ 10 mil pagariam 20% de Imposto de Renda, calculado pelo saldo positivo das apostas nas últimas 24 horas.

Os riscos levantados pelos críticos

Do outro lado do debate, há quem enxergue mais problemas do que soluções. A legalização poderia aumentar casos de vício, endividamento e até abrir brechas para crimes como lavagem de dinheiro.

A oposição mais forte vem de lideranças religiosas. Pastores como Silas Malafaia e Robson Rodovalho criticam o projeto com veemência, chamando-o de “barbárie” e alertando para uma “pandemia” de dependência em jogos. Em carta assinada por líderes evangélicos, os parlamentares foram pressionados a rejeitar a proposta.

Durante o governo Bolsonaro, essa resistência foi decisiva. O ex-presidente chegou a afirmar que vetaria a lei caso fosse aprovada pelo Congresso. Agora, com Lula no poder e o ministro do Turismo, Celso Sabino, defendendo a proposta como motor para o turismo nacional, a correlação de forças mudou.

“Não sou favorável ao jogo, mas também não acho crime. Se for aprovado, não tenho por que não sancionar”, declarou Lula em entrevista.

Um impasse que vai além da política

O debate sobre a legalização dos jogos de azar não é apenas econômico. Ele mexe com questões culturais, religiosas e até morais. Para uns, trata-se de modernização e geração de riqueza. Para outros, é um risco social enorme, capaz de afetar milhões de famílias.

Entre defensores e críticos, uma coisa é certa: a decisão pode mudar radicalmente o cenário do entretenimento no Brasil. Cassinos luxuosos, bingos regulamentados e apostas em navios podem se tornar realidade em poucos anos – ou permanecer no campo das ideias, caso a pressão contrária vença.

Por enquanto, tudo segue parado no Senado. Mas o jogo político, esse sim, continua a todo vapor.

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