PEC pode blindar 108 parlamentares; Câmara resgata voto secreto no texto


A chamada “PEC da Blindagem”, aprovada pela Câmara anteontem, pode atingir 36 inquéritos que envolvem 108 parlamentares no Supremo Tribunal Federal (STF). Pela redação atual da proposta de emenda à Constituição, esses casos só poderiam avançar para se tornar ações penais com aval do Congresso. A PEC beneficiaria diretamente o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e alcançaria tanto aliados do governo Lula quanto opositores, especialmente em investigações sobre suspeita de desvios de emendas parlamentares.

O texto, articulado pelo Centrão, foi aprovado por 344 votos a 133 e segue agora para o Senado. A PEC prevê alterar a Constituição ao transferir para a Câmara e o Senado a prerrogativa de autorizar o processamento criminal de congressistas. Na prática, o Supremo teria de pedir um aval à Casa em que o parlamentar exerce mandato para dar continuidade a uma ação penal.

Levantamento feito pelo Estadão mostra que, se a regra já estivesse em vigor, todos os 36 inquéritos em curso contra parlamentares dependeriam dessa autorização sempre que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o STF decidissem instaurar uma ação penal. Esses casos estão sob relatoria dos ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

Entre os investigados estão parlamentares de oposição, como do PL, e também de partidos da base, como União Brasil, PSB e do PT. Pelo menos 108 deputados e senadores são alvo de investigação. Contudo, o número pode ser maior, já que parte dos casos corre em sigilo e nem todos os nomes são conhecidos.

Em algumas situações, um único inquérito reúne vários nomes. É o caso do das milícias digitais e das fake news, que estão sob sigilo e implicam deputados como Zé Trovão (PL-SC), Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP), Filipe Barros (PL-PR), Cabo Junio Amaral (PL-MG), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) e Gil Diniz (PL-SP) – todos sob a relatoria de Moraes.

COAÇÃO.Moraes também é relator do inquérito no qual Eduardo Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de coação no curso do processo e abolição do estado democrático de direito ao tentar interferir no julgamento da ação penal do golpe que levou à condenação de Jair Bolsonaro (PL) a mais de 27 anos de prisão. A PF também indiciou o ex-presidente por coação.

Outra frente que impulsionou a votação da “PEC da Blindagem” são os inquéritos sobre supostos desvios de emendas parlamentares. Como mostrou o Estadão, esse é o maior temor dos deputados e senadores, já que os processos atingem diretamente nomes da base e da oposição. As investigações, em sua maioria sob relatoria de Dino e Zanin, apuram suspeita de desvios de verbas públicas por meio de transferências de emendas.

Entre os investigados estão Elmar Nascimento (União Brasil-BA), Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e José Guimarães (PT-CE). Também figuram como alvos no Supremo, em diferentes frentes, Afonso Motta (PDT-RS), Félix Mendonça (PDT-BA), Eunício Oliveira (MDB-CE) e Yuri do Paredão (MDB-CE). Todos negam irregularidades.

Além desses inquéritos, o STF também conduz diversas petições de investigação autônoma – procedimentos preliminares abertos quando surgem fatos novos em apurações em curso ou a partir de representações externas. Esses casos podem se transformar em inquéritos e, caso resultem em ação penal, passariam a depender de aval do Congresso pela regra prevista na “PEC da Blindagem”.

MODELO ANTIGO. Para a pesquisadora da USP e professora da ESPM Ana Laura Barbosa, se o texto for aprovado como está, as novas regras retomariam o modelo em vigor até 2001, quando o STF precisava de autorização da Câmara e do Senado para abrir processo criminal, em votação secreta. “A mudança é bastante negativa. É só ver que, até 2001, nenhum deputado ou senador foi processado criminalmente.”

A pesquisadora avaliou que a redação atual vai além das prerrogativas em vigor até 2001 e amplia a proteção dos parlamentares. Ela destacou que a PEC determina que medidas cautelares contra deputados e senadores só podem ser autorizadas pelo STF. Até então, a discussão se limitava a saber se seria necessária a chancela da Casa apenas quando a medida afetasse o exercício do mandato. Para ela, trata-se de “grande retrocesso”.

A crítica é compartilhada por juristas. O criminalista Renato Vieira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), disse que a PEC é um movimento de blindagem marcado por um espírito de casta em desacordo com o discurso democrático. Para ele, a proposta é “um balde de água fria”.

O pesquisador da PUC-SP Erick Beyruth ressaltou que, embora a PEC retome regras previstas antes de 2001, ela dificulta ainda mais a responsabilização de parlamentares. “A PEC esvazia a competência do STF para julgar parlamentares pela prática de crimes”, disse.

Já o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, afirmou que a proposta faz parte de um movimento contínuo de autoproteção que transforma Câmara e Senado em territórios imunes. Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, ele disse que a aprovação da proposta passa o sinal de que “o crime organizado é muito bem-vindo”. “É um absurdo.”

No Congresso, o tom também é de crítica entre quem votou contra. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirmou que a medida é um retrocesso por dificultar a responsabilização de parlamentares e reforçar a percepção de autoproteção no Legislativo. “A PEC não protege o Parlamento de abusos nem garante a liberdade de expressão dos parlamentares. Seu único objetivo é blindar malfeitores.”

MANOBRA. Em manobra costurada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), com líderes do Centrão, a Casa aprovou ontem a inclusão do voto secreto em análises para autorizar prisão ou abertura de processo criminal de parlamentares na “PEC da Blindagem”. Motta ignorou questões de ordem e pedidos de suspensão da votação e chancelou, sob protestos, a redação final do texto em menos de um minuto.

Durante a madrugada, os deputados haviam retirado o voto secreto da PEC. Por 12 votos, o Centrão não tinha conseguido manter esse trecho na proposta e o placar final terminou com 296 votos sim. Eram necessários 308 votos. Após a articulação do presidente da Câmara, no entanto, o anonimato de deputados e senadores ao analisar abertura de processo criminal e prisão de congressistas voltou a ser regra prevista na PEC com o apoio de 314 deputados. (Colaborou Rayanderson Guerra)



Por: Estadão Conteúdo

Estadão

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