O Irã não vai permitir que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) realize inspeções nas instalações nucleares de Fordow, Natanz e Isfahan, as principais unidades de enriquecimento de urânio do país, bombardeadas há cinco dias pelos Estados Unidos. O país paralisou temporariamente a colaboração com o órgão, informou nesta quinta-feira, dia 26, a Embaixada do Irã em Brasília.
Questionado pelo Estadão se o Irã permitira a verificação nas plantas nucleares, o embaixador iraniano no Brasil, Abdollah Nekounam, afirmou que o Conselho de Guardiões do Irã aprovou uma resolução, que já havia passado no Parlamento do país, e obriga o governo a suspender toda a colaboração com a agência das Nações Unidas, prevista no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, o TNP.
O Conselho de Guardiões exerce forte influência no sistema decisório iraniano. O órgão tem 12 membros, entre clérigos e juristas, que revisam eleições, até selecionando candidatos, e a aprovação de leis para verificar a conformidade com a lei islâmica.
O período da suspensão não foi informado, mas segundo o embaixador será uma paralisação temporária. A agência iraniana Tasnim noticiou que 221 legisladores aprovaram a lei no parlamento, por unanimidade dos presentes, e que a suspensão vai durar até que haja proteção aos cientistas e centros nucleares do país.
A ONU, por meio da AIEA, pressionava o Irã por transparência e, desde os ataques da noite de sábado, dia 21, pedia um acordo que permitisse o acesso de seus técnicos mantidos em solo iraniano às instalações, a fim de determinar a extensão dos danos e eventuais riscos à retomada da operação.
O Irã, por outro lado, chegou a dizer que os ataques dos EUA foram realizados “sob a sombra da indiferença e até mesmo com o apoio da Agência Internacional de Energia Atômica”. Em maio, a agência reportou que o Irã enriquecia urânio em ritmo acelerado a 60%, mais próximo dos 90% necessários para fabricação de uma bomba atômica.
Agora a demanda das Nações Unidas ficou prejudicada pela decisão do Irã. O chefe da embaixada iraniana no Brasil explicou que a lei chegou aos “últimos passos”, e já foi publicada e transmitada ao governo, que tem de seguir as novas determinações.
“Conforme a carta da ONU, um dos motivos pelo qual essa parada temporária irá acontecer é a violação da integridade territorial, insegurança sobre os nossos cientistas e também pelas coisas que aconteceram durante este período”, justificou o embaixador Nekounam.
Segundo o diplomata, a norma aprovada pelo Conselho de Guardiões cita a necessidade de resguardar o direito do Irã de realizar o enriquecimento de urânio para fins pacíficos, conforme o artigo 4 do TNP.
Ele foi questinado na entrevista com jornalistas brasileiros sobre qual seria o motivo de o país realizar o enriquecimento a 60%, acima do necessário para produção de energia, mas não respondeu objetivamente. Apenas disse que não havia limites pré-estabelecidos.
Logo após os ataques, o Irã afirmou que não interromperá seu programa nuclear, e que não houve vazamento de material radioativo, o que foi corroborado pela Arábia Saudita. Segundo Teerã, as autoridades nucleares já haviam retirado o urânio enriquecido das três plantas, diante das ameaças de Israel e dos EUA.
O grau de destruição do bombardeio realizado com 14 bombas “bunker-buster”, capazes de penetrar em fortificações subterrâneas, como Fordow, virou uma guerra de versões. Primeiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, reivindicou que tudo havia sido “completamente obliterado”.
Em seguida, o general Dan Caine, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, afirmaram, em tom mais contido, que haviam provocado com o ataque “destruição e danos extremamente severos”.
Teerã minimizou o impacto desde sempre. A Organização de Energia Atômica do Irã e o Centro para o Sistema Nacional de Segurança Nuclear negaram risco de contaminação após o bombardeio.
Um relatório de inteligência inicial com avaliações de autoridades americanas, cujo conteúdo foi noticiado pela CNN e pelo New York Times, informava que os danos poderiam ser menores do que esperado e teriam atrasado o programa iraniano apenas “alguns meses”, com entradas bloqueadas, mas não levado ao colapso dos prédios subterrâenos. Trump afirmou que se tratava de mentira.
A chancelaria irania chegou a dizer que os danos haviam sido graves. “Nossas instalações nucleares foram gravemente danificadas, isso é certo”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Esmail Baghaei, em entrevista à TV Al Jazeera nesta quarta-feira, dia 25.
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Porém, nesta quinta-feira, dia 26, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, disseminou em mensagem por vídeo a nova versão de que os danos não foram significativos. Ele reivincidou
Por meio do TNP, o Irã fica obrigado a prestar esclarecimentos sobre o desenvolvimento de seu programa à AIEA e garantir formas de supervisão, mas a agência reportava que a verificação não era efetiva.
No domingo, dia 22, Rafael Grossi, diretor-geral da AIEA, pediu mais uma vez que o Irã autorizasse inspetores da agência a visitarem as instalações para verificações a fim de determinar os fatos que haviam ocorrido e para que pudessem relatar e contar os estoques de urânio e principalmente os 400 kg de urânio enriquecido a 60%.
Segundo ele, naquele momento não ninguém era capaz de determinar o impacto subterrâneo em Fordow, apesar das crateras na superfície visíveis por imagens de satélite.
Já nesta quinta-feira, Grossi afirmou em entrevista que as centrífugas de Fordow “não estão mais operacionais”. Segundo ele, as centrífugas exigem um alto grau de precisão e são vulneráveis a vibrações intensas. “Não houve como escapar de danos físicos significativos”, disse Grossi. “Portanto, podemos chegar a uma conclusão técnica bastante precisa.”
Ele reportou ao Conselho de Segurança da ONU que, em Isfahan, houve edifícios atingidos, entre eles unidades de conversão de urânio e que “as entradas dos túneis usados ??para o armazenamento de material enriquecido parecem ter sido atingidas”.
Em Natanz, segundo o diretor da AIEA, “a usina de enriquecimento de combustível foi atingida novamente, com os EUA confirmando que usou munições de penetração no solo”.
Araghchi critica atuação de Grossi
O Ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, fez duras críticas à atuação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) após o Parlamento iraniano ter votado pela suspensão da colaboração com a agência até que a segurança das atividades nucleares em locais bombardeados por forças americanas possa ser garantida.
“Isso é resultado direto do lamentável papel de Rafael Grossi em ofuscar o fato de que a Agência – há uma década – já havia encerrado todas as questões anteriores”, disse o ministro iraniano em registro no X. “Por meio dessa ação maligna, ele facilitou diretamente a adoção de uma resolução politicamente motivada contra o Irã pelo Conselho de Administração da AIEA, bem como os bombardeios ilegais israelenses e americanos contra instalações nucleares iranianas”.
Para Araghchi, Grossi, “em uma traição flagrante de seus deveres”, não condenou explicitamente tais violações flagrantes das salvaguardas da AIEA e de seu estatuto, completou.
O ministro iraniano afirmou ainda que a insistência de Grossi em visitar os locais bombardeados sob o pretexto de salvaguardas é insignificante e possivelmente até mesmo “maligna em sua intenção”.
“O Irã reserva-se o direito de tomar quaisquer medidas em defesa de seus interesses, seu povo e sua soberania”, disse.
Grossi afirmou nesta sexta-feira, 27, que os níveis de radiação na região do Golfo permanecem normais após a guerra entre Israel e Irã, que durou 12 dias e “danificou gravemente diversas instalações nucleares iranianas.
Por: Estadão Conteúdo