Geezer Butler, baixista do Black Sabbath, publicou um artigo no jornal britânico The Times, no domingo, 27, em homenagem a Ozzy Osbourne, que morreu aos 76 anos na terça-feira, 22. No texto, Butler compartilha momentos da convivência com o vocalista, desde os primeiros anos em Aston, bairro operário de Birmingham, até a última apresentação da banda, no Villa Park, neste mês.
O artigo começa com uma lembrança recente: uma campanha promocional do Aston Villa, em que Butler e Osbourne participaram de um vídeo para lançar o novo uniforme do clube. A ação, que simulava um telefonema entre os dois sobre jogar juntos no estádio do time, alcançou grande repercussão nas redes sociais.
A relação entre Osbourne e Butler teve início ainda na juventude. Ambos cresceram nos arredores do estádio do Aston Villa, frequentavam a mesma região e, em 1968, fundaram a banda que mais tarde se tornaria o Black Sabbath, ao lado de Tony Iommi e Bill Ward.
No relato, Butler descreve o reencontro com Osbourne nos ensaios para o último show da banda, realizado em 5 de julho, em Birmingham. Segundo ele, o estado de saúde do vocalista já era delicado.
“Eu sabia que ele não estava bem de saúde, mas não estava preparado para ver o quão frágil ele estava. Ele foi auxiliado a entrar na sala de ensaio por dois ajudantes e uma enfermeira e estava usando uma bengala – sendo Ozzy, a bengala era preta e cravejada de ouro e pedras preciosas. Ele não disse muito além dos cumprimentos habituais e, quando cantou, sentou-se em uma cadeira. Repassamos as músicas, mas percebemos que ele estava ficando exausto depois de seis ou sete músicas. Conversamos um pouco, mas ele estava bem quieto comparado ao Ozzy de antigamente.”
Durante a apresentação final, a banda não pôde repetir os rituais de encerramento habituais. Butler menciona que não houve o tradicional abraço entre os integrantes, já que Osbourne permaneceu sentado em seu “trono” no palco.
“O que fazemos? Tony apertou sua mão, eu o presenteei com um bolo, mas foi uma sensação tão estranha terminar nossa história assim. Eu gostaria de ter tido mais tempo nos bastidores com o Ozzy, mas desejos são redundantes agora. Como Ozzy costumava dizer: ‘Deseje em uma mão, c**** na outra e veja o que vem primeiro'”, escreveu o baixista.
Butler também recorda episódios marcantes da formação da banda, incluindo o primeiro encontro com Osbourne, que apareceu à porta de sua casa vestindo uma beca e segurando uma escova de chaminé. O texto ainda menciona como os quatro músicos se conheceram e decidiram formar o grupo, inicialmente chamado Earth.
Além dos momentos profissionais, Butler destaca a relação pessoal com Osbourne. Ele relata que, mesmo após longos períodos sem contato direto, o vocalista se mantinha presente em situações importantes. Durante uma internação de seu filho, por exemplo, Osbourne telefonava diariamente para saber notícias.
O texto termina com um agradecimento à trajetória compartilhada e à oportunidade de se apresentarem juntos pela última vez. “Ninguém sabia que ele nos deixaria pouco mais de duas semanas após o show final. Mas sou muito grato por termos tocado juntos uma última vez diante de seus amados fãs. O carinho dos fãs e de todas as bandas, músicos, cantores e artistas solo naquela noite foi incrível. Todos vieram prestar homenagem ao Príncipe. Sou muito privilegiado por ter passado a maior parte da minha vida com ele. É claro que há milhões de coisas que me lembrarei e que eu deveria ter escrito, mas como posso resumir 57 anos de amizade em poucos parágrafos? Deus te abençoe, Oz, foi uma jornada incrível! Te amo!”, concluiu.
Leia o texto na íntegra:
Geezer Butler: Ozzy Osbourne era o Príncipe do Riso
Desde o dia em que Ozzy chegou descalço à sua porta até o emocionante show final, três semanas atrás, o baixista do Black Sabbath reflete sobre 57 anos de amizade.
Há pouco mais de um ano, o departamento de publicidade do Aston Villa entrou em contato comigo perguntando se eu teria interesse em lançar o novo uniforme do Villa, da Adidas. Eles explicaram o cenário: Ozzy Osbourne me ligava perguntando se eu jogaria no Villa Park com ele e eu respondia: “Contanto que eu jogue na ponta esquerda”. É claro que o vídeo viralizou e teve o maior número de visualizações entre todos os lançamentos de uniformes de futebol daquela temporada. Esse era o poder do Ozzy.
O Aston Villa era uma presença enorme para nós em Aston. Quando eu era criança, a humilde casa do Ozzy ficava a algumas centenas de metros do estádio, assim como a minha. Eu era fanático pelo Villa – ainda sou – e ia a todos os jogos que minha mesada permitia, enquanto o Ozzy ‘cuidava’ dos carros dos torcedores por alguns centavos. Portanto, foi bastante apropriado para Ozzy e o Black Sabbath encerrarem a longa jornada desde o nosso início em 1968 até o nosso último show em Aston, no Villa Park, em 5 de julho. Eu não imaginava então que nunca mais veria Ozzy depois daquela noite.
Os ensaios para aquele show final começaram um mês antes em um estúdio na zona rural de Oxfordshire. Tony Iommi, Bill Ward e eu tocamos sete músicas juntos. Claro, sem tocar juntos há 20 anos, levou alguns dias para nos livrarmos da ferrugem.
Então chegou a hora de Ozzy se juntar a nós. Eu sabia que ele não estava bem de saúde, mas não estava preparado para ver o quão frágil ele estava. Ele foi ajudado a entrar na sala de ensaio por dois ajudantes e uma enfermeira e estava usando uma bengala – sendo Ozzy, a bengala era preta e cravejada de ouro e pedras preciosas. Ele não disse muito além dos cumprimentos habituais e, quando cantou, sentou-se em uma cadeira. Repassamos as músicas, mas percebemos que ele estava ficando exausto depois de seis ou sete músicas. Conversamos um pouco, mas ele estava bem quieto comparado ao Ozzy de antigamente. Depois de mais algumas semanas, estávamos prontos para o show.
Para mim, Ozzy não era o Príncipe das Trevas – na verdade, era o Príncipe do Riso. Ele fazia qualquer coisa por uma risada, um artista nato. A primeira vez que o conheci foi quando voltava para casa depois de noites inteiras em uma casa noturna de rock chamada Penthouse, em Birmingham. Eu tinha cabelo comprido abaixo dos ombros e parecia um hippie. O Ozzy estava do outro lado da rua, vindo das noites inteiras de soul em Brum, com seu cabelo curto e terno moderno. Completamente opostos um do outro. Mal sabia eu então que, em um ano, formaríamos o que se tornaria o Black Sabbath e criaríamos uma forma totalmente nova de rock.
Em 1968, a banda de meio período em que eu fazia parte estava procurando um vocalista. Vi um anúncio em uma loja de música no centro de Birmingham com as palavras ‘Ozzy Zig needs a gig’ (algo como ‘Ozzy Zig precisa de espaço em uma banda’). O endereço dele estava no anúncio e vi que ele morava a três ou quatro quarteirões de mim, então fui e bati na porta dele, só para ouvir da irmã dele que o Ozzy não estava. Deixei meu endereço com ela e, mais tarde naquela noite, enquanto a família Butler estava se sentando para jantar, bateram na porta. Meu irmão atendeu e disse: ‘Ei, tem alguma coisa na porta perguntando por você’. Eu perguntei: ‘O que você quer dizer com ‘alguma coisa’? Ele respondeu: ‘Você vai ver’.
Era o cara de cabelo curto que eu tinha visto voltando para casa depois das noites em claro, só que ele não estava de terno – ele estava com a beca marrom do pai, uma escova de chaminé no ombro, um sapato na coleira de cachorro e descalço. Ele disse: ‘Sou o Ozzy’. Depois que parei de rir, eu disse: ‘Ok, você está na banda’.
Assim começou a jornada mais incrível das nossas vidas. Tony Iommi morava a duas ruas da minha casa, então fomos lá para ver se ele conhecia algum baterista. Ele disse: “Sim, Bill Ward, e ele está aqui se você quiser falar com ele”. Bill ouviu o que tínhamos a dizer e concordou em se juntar a nós, contanto que Tony aparecesse. E assim nasceu o Earth – que mais tarde mudou para Black Sabbath.
Nosso primeiro show terminou em uma briga enorme. Sendo de Aston, você tinha que saber se defender, e certamente Ozzy e Tony, em particular, não ficavam alheios a brigas. Nos tornamos irmãos inseparáveis, sempre cuidando um do outro. As pessoas sempre acharam Ozzy um homem selvagem, mas ele tinha um coração de ouro puro. A maioria de suas travessuras infames – a saga do morcego, morder a cabeça de uma pomba, urinar no Álamo, cheirar fileiras de formigas e o resto – aconteceu em seus anos solo, longe das restrições da equipe do Sabbath. Mas se você fosse um amigo em apuros, Ozzy sempre estaria lá para te ajudar. Quando meu filho nasceu com um problema cardíaco, Ozzy me ligava todos os dias para saber como eu estava lidando, mesmo sem nos falarmos por um ano.
Quando fizemos a promoção da Adidas no Aston Villa, eu não via nem falava com Ozzy desde a turnê The End, do Black Sabbath, em 2017. Mas sempre houve uma ligação invisível entre Ozzy, Tony, Bill e eu. Tínhamos passado pelos melhores e piores momentos; o vínculo era inquebrável.
E assim foi até o show final. A parte mais estranha daquele show foi o final. Normalmente, todos nos abraçaríamos e faríamos uma reverência para a plateia. Mas o Ozzy estava em seu trono e não tínhamos pensado nisso.
O que fazemos? Tony apertou sua mão, eu o presenteei com um bolo, mas foi uma sensação tão estranha terminar nossa história assim. Eu gostaria de ter tido mais tempo nos bastidores com o Ozzy, mas desejos são redundantes agora. Como Ozzy costumava dizer: ‘Deseje em uma mão, cague na outra e veja o que vem primeiro’.
Ninguém sabia que ele nos deixaria pouco mais de duas semanas após o show final. Mas sou muito grato por termos tocado juntos uma última vez diante de seus amados fãs. O carinho dos fãs e de todas as bandas, músicos, cantores e artistas solo naquela noite foi incrível. Todos vieram prestar homenagem ao Príncipe. Sou muito privilegiado por ter passado a maior parte da minha vida com ele. É claro que há milhões de coisas que me lembrarei e que eu deveria ter escrito, mas como posso resumir 57 anos de amizade em poucos parágrafos?
Deus te abençoe, Oz, foi uma jornada incrível! Te amo!
Por:Estadão Conteúdo