Entenda sentimento ligado à degradação do meio ambiente

A relação entre saúde mental e crise climática vem ganhando espaço no debate acadêmico e institucional. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2024, os eventos climáticos extremos e as transformações ambientais estão diretamente ligados ao aumento de transtornos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.

É nesse cenário que a solastalgia se manifesta como um sintoma cada vez mais recorrente, ainda que, muitas vezes, silenciada pela pressa de quem mal tem tempo de elaborá-la. Conceito criado pelo filósofo e pesquisador ambiental australiano Glenn Albrecht, em 2005, o termo descreve o sofrimento emocional vivido por comunidades diante da degradação de seus bairros e cidades.

Ele observou esse sentimento entre os moradores do Vale de Hunter, na Austrália, região que passou por intensa atividade de mineração de carvão. Embora permanecessem em suas casas, os habitantes manifestavam sintomas semelhantes aos da nostalgia, mas em relação ao presente: uma dor provocada pela transformação do seu território em decorrência da crise climática.

Desde então, o termo solastalgia tem sido utilizado para descrever reações psíquicas associadas à perda do vínculo afetivo e identitário com o ambiente natural.

Sintomas e populações mais afetadas

De acordo com Rafaela Ferreira Rocha, profissional da área de psicologia do AmorSaúde, os sinais emocionais mais comuns relacionados à solastalgia incluem “tristeza, ansiedade, depressão, abandono, perda e outros sintomas psíquicos”. A sensação pode surgir de forma gradual e persistente, especialmente em indivíduos que presenciam mudanças drásticas no ambiente ao seu redor, como desmatamento, queimadas e enchentes.

Segundo ela, grupos populacionais que vivem em territórios ambientalmente vulneráveis tendem a ser mais impactados. “A solastalgia costuma afetar mais pessoas que vivem em regiões de desmatamento, áreas com grande incidência de incêndios e devastações, regiões árticas e locais sob risco de mineração e extração. Entre os grupos mais vulneráveis, estão comunidades indígenas, moradores de áreas rurais afetadas e jovens ativistas ambientais”, explica.

Ansiedade ecológica

Um estudo global publicado pela Lancet Planetary Health (2021), com 10 mil jovens de 16 a 25 anos em 10 países, revelou que 75% deles consideram o futuro “assustador” diante das mudanças climáticas. Já segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 57% dos jovens entre 16 e 24 anos relatam já sentir ansiedade ecológica, um dos efeitos emocionais mais conhecidos da emergência climática.

Mesmo em centros urbanos, o sentimento pode emergir diante de situações cotidianas como a perda de áreas verdes, ondas de calor extremo ou o aumento da poluição do ar. “Há também a sensação de impotência, por não poder intervir diretamente nas causas desses danos”, completa Rafaela Ferreira Rocha.

Buscar acompanhamento psicológico é essencial para enfrentar a solastalgia (Imagem: shurkin_son | Shutterstock)

Reconhecer e enfrentar a solastalgia

Identificar se o sofrimento está relacionado à degradação ambiental e não apenas ao estresse cotidiano pode ser desafiador. Para a profissional de psicologia, o primeiro passo está no autoconhecimento: “quando eu tenho esse autocuidado de sentir minhas emoções e saber identificá-las, é mais fácil e perceptível a diferença entre a degradação ambiental e ao estresse comum do dia a dia. Chamamos isso na psicologia de psicoeducação”,.

Conforme Rafaela Ferreira Rocha, o tratamento da solastalgia envolve tanto o cuidado com a saúde mental quanto o acesso à informação qualificada sobre o tema. Buscar o acompanhamento de profissionais da psicologia é fundamental, assim como o contato com especialistas da área ambiental, que ajudam a ampliar a compreensão sobre as causas das mudanças no território. Essa aliança entre saúde e conhecimento contribui para a construção de uma postura mais consciente e ativa diante do problema.

A psicóloga destaca que há também formas práticas de lidar com esse sofrimento. A reconexão com a natureza, o ativismo e a moderação no consumo de notícias negativas estão entre as principais estratégias. “Conexão com a natureza traz sensação de bem-estar. Já o engajamento em ações ambientais ajuda a psicoeducar a população, e limitar o excesso de notícias negativas evita pensamentos ruins que podem causar ansiedade, tristeza e raiva”, aponta.

Falar sobre, importa

Quando o sofrimento é compreendido e validado, há mais chances de buscar apoio e mobilizar ações efetivas para cuidar da saúde mental, tanto individual quanto coletiva. Discutir esse tema também amplia a consciência sobre os impactos humanos da crise climática.

Ao entender que o desequilíbrio ambiental afeta não só ecossistemas, mas também emoções, vínculos e identidades, reforça-se a necessidade do engajamento para um mundo mais justo, saudável e sustentável.

Por Nayara Campos

Fonte: Portal EdiCase

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Redação EdiCase

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