Em meio a uma seca de quatro anos de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês), empresas têm recorrido a um instrumento alternativo para entrarem na Bolsa, o chamado IPO reverso, que consiste na compra de uma companhia já listada por uma não listada, que passa assim a ter ações negociadas no pregão. Esta operação pode ser feita também via processo de fusão.
“A empresa deixa de fazer um IPO tradicional, junta-se a outra que tem registro em Bolsa, e herda esse registro”, explica Gustavo Rugani, sócio e responsável pela área de Mercado de Capitais do escritório de advocacia Machado Meyer. Tal transação pode ser feita entre companhias do mesmo ramo ou de setores diferentes, mudando o objeto de negócio da empresa já listada. “É uma operação de fusão e/ou aquisição, mas cujo objetivo é a listagem e não necessariamente o negócio”, acrescentou.
O instrumento por si só não é exatamente uma novidade, mas seu uso para listar empresa com atuação distinta da original é um fenômeno mais recente, segundo Rugani, e boa parte das últimas operações do gênero seguiu este modelo. “Essa história de juntar negócios que não têm nada a ver um como o outro é novidade”, observou.
Há algumas semanas, por exemplo, a OranjeBTC, uma empresa de tesouraria de bitcoin e de educação financeira, entrou na Bolsa após comprar o tradicional cursinho pré-vestibular Intergraus, que foi listado pela controladora anterior, a Bioma Educação, como condição precedente à venda. Por enquanto, a operação do cursinho pré-vestibular está garantida só até o final de 2025.
“A OranjeBTC tem como missão impulsionar a adoção do padrão bitcoin no mercado latino-americano por meio de dois eixos centrais: uma tesouraria robusta em bitcoins e iniciativas abrangentes de educação financeira”, disse a empresa ao Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado. “Nesse contexto, o Intergraus representa um componente essencial da plataforma educacional desenvolvida pela OranjeBTC”, ressaltou.
Em outro caso, no final do ano passado, a Fictor, holding que atua em diferentes áreas, e a Aqwa Capital compraram a Atom Empreendimentos e Participações, empresa listada que atuava como mesa proprietária de operações em Bolsa e com formação de operadores do mercado. Com a transação, foi introduzida na B3 a Fictor Alimentos, para atuar no setor de proteína animal. A empresa não só mudou de nome, mas de objeto social.
Não há vedação para que este tipo de transação ocorra. Basta que os acionistas das empresas envolvidas cheguem a um acordo, que o negócio seja aprovado nas instâncias internas e que siga as exigências regulatórias. “Não há limitação, é uma compra e venda normal”, afirma Maiara Madureira, sócia das áreas de Companhias Abertas e Mercado de Capitais do escritório Demarest Advogados.
Hostil
Em geral, transações assim ocorrem em comum acordo entre os acionistas das empresas envolvidas, mas podem também resultar de aquisições hostis, quando uma empresa toma o controle de outra sem a anuência da companhia alvo da compra.
Foi assim que a Reag Investimentos entrou na Bolsa, comprando a Getninjas, primeiro por meio de compras de ações no mercado e depois com uma oferta pública de aquisição de ações (OPA). Assim, a empresa que intermediava serviços entre prestadores e consumidores foi substituída por uma gestora de fundos. “Mas é mais comum que IPOs reversos sejam acordados”, observa Madureira.
Para Rugani, uma “ótima analogia” para o IPO reverso entre empresas de setores diferentes é o “jabuti”. Na esfera pública, “jabuti” é a inserção num projeto de lei de um assunto sem relação com o tema original. “Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente, ou mão de gente”, diz o anedotário político.
Atalho
Já Madureira prefere ver as operações do gênero como um “atalho” encontrado pelas empresas para entrar na Bolsa, pois são puladas etapas existentes em um IPO normal.
Cortar caminho para a listagem foi justamente uma das razões que levaram a incorporadora BRZ a firmar um memorando de entendimentos para combinação de negócios com a Fica Empreendimentos (antiga CR2), que tem capital aberto. Neste caso, porém, as duas companhias são do mesmo ramo. Outra razão, segundo o diretor financeiro e de relações com investidores da BRZ, Fabiano Valese, é o banco de terrenos de 2,9 milhões de m² que a Fica tem em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. “A [marca] Fica desaparece e fica a BRZ”, afirmou.
Além de cortar caminho, ele diz que, estando listada, a empresa passa a ter acessos a instrumentos para levantar capital não disponíveis para companhia fechadas, como ofertas subsequentes de ações (follow-on). Os especialistas destacam também que o custo do capital para empresas abertas nos mercados financeiro e de capitas costuma ser menor do que para as companhias fechadas.
“Estamos olhando para o mercado. Há várias possibilidades para trazer recursos para o crescimento dos negócios”, observou Valese. A conclusão da operação entre BRZ e Fica deve ocorrer nos próximos meses.
Por: Estadão Conteúdo








