Como fósseis de lagarto mais antigo que dinossauros impediram obra em rodovia no Paraná

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A obra de asfaltamento de uma rodovia no interior do Paraná, esperada há mais de 50 anos, foi suspensa após a descoberta de fósseis de um lagarto aquático mais antigo que os dinossauros, o Mesosaurus brasiliensis, que viveu há 280 milhões de anos.

A descoberta levou o Ministério Público Federal (MPF) a recomendar o cancelamento da licença ambiental, acatado pelo Governo do Paraná, por risco de dano ambiental e arqueológico. A paralisação da obra aconteceu no fim da semana passada.

O trabalho foi suspenso em um trecho de 1,6 km da PR-364, em Irati (PR), com 52,72% da execução. A obra previa, além do asfaltamento, a implantação de um viaduto no entroncamento com a BR-153, ao custo de R$ 23,7 milhões.

Mais antigo do que os dinossauros

Segundo o MPF, o Instituto Água e Terra (IAT) do Paraná concedeu a licença ambiental sem a devida análise e manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o que caracteriza falha no processo. A recomendação da procuradoria condicionou qualquer obra no local à prévia manifestação do Iphan – que também fará uma vistoria no local.

Procurado pela reportagem, o IAT respondeu que “a licença ambiental foi cancelada pelo Instituto Água e Terra (IAT) e será reformulada de acordo com a legislação em vigor, respeitando todos os trâmites e condicionantes exigidos”.

Após a descoberta dos fósseis, o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR) acionou pesquisadores da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro). “Eles nos reportaram e nos trouxeram algumas peças. No início, foram oito peças de fósseis. Escolheram a universidade como fiel depositária desse material”, conta o professor de Geografia Luiz Carlos Basso. Até maio, o número de peças havia aumentado para 30.

Segundo o professor, os fósseis estão impressos em camadas de folhelho betuminoso, que é uma rocha abundante na região e que funciona como uma esponja, absorvendo matéria orgânica. O Mesosaurus brasiliensis é a espécie que mais aparece nas rochas analisadas pelos pesquisadores.

“Ele é um réptil já extinto. Pela literatura que nós conhecemos, ele media em torno de 40 centímetros, é mais antigo do que os dinossauros, e é como se fosse um lagarto. Você encontra nas patas deles como se fosse uma película. Naquela época, a predominância de seres vivos estava nos oceanos”, explica Basso.

A importância da espécie para a teoria da Deriva Continental

Conforme os pesquisadores da Unicentro, a espécie foi essencial para a comprovação da teoria da Deriva Continental. Em 1908, foi reforçada a ideia de que os continentes já estiveram unidos. “O Mesosaurus é um exemplo típico e comprobatório disso, porque é encontrado lá na África e aqui também”, afirma Basso.

Para o professor João Anésio Bednarz, que também tem participado da coleta do material, os fósseis contam a história da região. “Muitos pensam que fósseis são apenas alguns fragmentos de ossos, mas, na verdade, eles vão trazer evidências do histórico evolutivo da vida na Terra. Quando a gente olha para um fóssil, a gente tem todo um aparato e uma possibilidade de saber como eram esses ambientes passados”, aponta.

Os materiais coletados já estão sendo estudados por docentes e alunos da universidade. Além de pesquisas, o Departamento de Geografia da Unicentro pretende fazer exposições do material ao público. A criação de um mascote, com base nas características do lagarto, também está prevista.

“Estudando eles [os fósseis], podemos descobrir coisas sobre o passado que poderão ser evitadas nos dias de hoje, como o clima e a relação do porquê eles desapareceram. Os fósseis são um exemplo de como nós, seres humanos, podemos tomar certos cuidados para que não percamos mais espécies vegetais ou animais”, diz Basso.

O que diz o DER-PR

Em nota, o departamento informou que a obra está paralisada e que serão estudadas as melhores soluções para garantir a retomada dos serviços ou a elaboração de alternativa para a execução da obra.

“O DER/PR informa que a obra está paralisada desde o dia 10/10/25, conforme recomendação do Ministério Público Federal (MPF). Serão estudadas quais as melhores soluções para garantir retomada dos serviços ou elaboração de alternativa para execução da obra.

Se trata de um trecho de pavimentação de 1,6 km da PR-364 no perímetro urbano do município, com implantação de viaduto no entroncamento com a BR-153, estando 52,72% executada. O investimento na empreitada é de R$ 23.700.000,00. O tráfego atualmente é realizado por via municipal para acesso entre as rodovias.

O DER/PR reitera o compromisso em garantir que as suas obras sejam executadas de acordo com a legislação ambiental vigente, proporcionando segurança e trafegabilidade para os usuários, aliadas ao desenvolvimento sustentável, um dos pilares da gestão atual.”



Por: Estadão Conteúdo

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