Bolsonaro e aliados repetem teses em recursos ao STF e afagam Fux, de olho em revisão das penas

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As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos demais réus condenados por tentativa de golpe de Estado recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) levantando pontos que extrapolam o alcance previsto para esta etapa recursal, repetindo teses já superadas durante o julgamento e citando trechos do voto do ministro Luiz Fux, que absolveu parte dos acusados.

Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que, embora os argumentos apresentados dificilmente sejam acolhidos pela Primeira Turma, as menções ao voto de Fux buscam preservar uma margem de manobra jurídica para embasar novos recursos. São duas possibilidades futuras: os embargos infringentes, que podem levar a um reexame do caso, e uma eventual ação de revisão criminal, usada para tentar anular a condenação após o fim dos recursos.

Os embargos de declaração, em tese, servem apenas para esclarecer pontos obscuros, omissos ou contraditórios do acórdão, sem reabrir o mérito nem alterar o resultado da decisão.

Para o criminalista Renato Vieira, porém, as defesas ampliaram o alcance do recurso e atuaram em duas frentes. Na primeira, reapresentam teses já rejeitadas em fases anteriores, como o cerceamento de defesa, a absorção de um crime pelo outro, a falta de imparcialidade do ministro Alexandre de Moraes e a ausência de provas diretas de autoria.

Na segunda, pedem que o STF reconheça supostos “erros de fato” com efeitos infringentes, um mecanismo que permite, em casos excepcionais, reverter ou alterar o resultado de uma decisão. “São críticas ao julgado em si, mas não são matérias para os embargos de declaração. São pontos muito sérios. É como se transformassem esse recurso em uma espécie de apelação”, explica.

Foi o que ocorreu no recurso apresentado pela defesa de Jair Bolsonaro, que, de um lado, volta a repetir argumentos já levantados nas alegações finais e na sustentação oral durante o julgamento e, de outro, tenta embasar o pedido de efeitos infringentes em trechos do voto de Fux.

Além de embasar os argumentos dos embargos, a divergência do ministro foi afagada pelos réus. Enquanto a defesa de Bolsonaro destacou que Fux foi o único ministro a evidenciar as “ilegalidades” da ação penal, os advogados de Anderson Torres referiram-se ao voto do magistrado como “técnico”, “preciso”, “profundo”, de “sensibilidade jurídica” e com “aderência à prova dos autos”.

A defesa do ex-presidente afirma que o acórdão da Primeira Turma contém erros fáticos e distorções de provas e depoimentos. Segundo a peça, Bolsonaro não determinou a elaboração da “minuta do golpe”, tampouco participou de reuniões de planejamento de uma medida de exceção.

Os defensores do ex-presidente pedem que o STF esclareça por que não reconheceu a absorção dos tipos penais de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Segundo os advogados de Bolsonaro, ao não considerar a consunção dos crimes, houve dupla punição pelos mesmos fatos.

O que há de comum nos recursos dos réus?

A insistência em teses já superadas durante a instrução do processo também se repete nos embargos apresentados pelos demais réus. O Estadão analisou as peças com o auxílio da ferramenta Pinpoint, do Google.

Os advogados de Bolsonaro alegaram cerceamento ao direito de defesa por document dump, ou seja, pelo alto volume de provas no processo, inviabilizando a análise da íntegra dos autos. Mesmo vencida nas preliminares do julgamento, a tese foi novamente arguida pelas defesas do ex-presidente, de Walter Braga Netto e Augusto Heleno.

Braga Netto, assim como Bolsonaro, voltou a apontar para omissões e contradições da delação do tenente-coronel Mauro Cid. Enquanto o ex-presidente alegou que pontos do acórdão basearam-se somente no depoimento de seu ex-ajudante de ordens, o ex-ministro-chefe da Casa Civil afirmou que o julgamento foi omisso ao não considerar elementos que, supostamente, demonstrariam que o réu colaborador agiu sob coação.

A defesa de Braga Netto levantou, novamente, a tese de suspeição de Moraes. Entre os sete réus que recorreram da condenação, Braga Netto foi o único a não citar o voto de Fux no recurso – o ministro votou para condená-lo por abolição do Estado de Direito.

O defensor de Augusto Heleno reiterou críticas à atuação do relator, voltando a sustentar que o general já estava afastado de Bolsonaro no fim do governo.

As defesas de Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira pediram esclarecimentos sobre trechos do acórdão que, segundo elas, distorcem declarações dos ex-ministros. Torres argumenta que sua fala sobre voto impresso durante a live de julho 2021 foi mal interpretada, enquanto Nogueira afirma que o STF desconsiderou o uso corriqueiro no meio militar da expressão “linha de contato com o inimigo”, usada durante a reunião ministerial de julho de 2022.

Para a defesa de Alexandre Ramagem, o acórdão foi omisso ao não suspender a ação penal para o crime de organização criminosa. A linha de argumentação já havia sido exposta pelo advogado do deputado federal na reta final do processo. O recurso apresentado pelo ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também voltou a alegar que os documentos apreendidos pela investigação não demonstravam uma linha de comando de Ramagem em relação aos servidores suspeitos de integrar a “Abin paralela”.

Os embargos apresentados pela defesa de Almir Garnier foram os mais sucintos entre os réus que recorreram da condenação. Na peça, o almirante vai ao encontro do argumento apresentado pelo ex-presidente sobre a consunção dos crimes de golpe de Estado e abolição do Estado de Direito.

Recursos futuros

Para o criminalista e coordenador da ESPM Marcelo Crespo, as peças buscam pavimentar o caminho para novos recursos, como os embargos infringentes. O entendimento do STF, porém, é de que esse tipo de recurso só é cabível quando há pelo menos dois votos pela absolvição. No caso de Bolsonaro e da maioria dos réus, essa condição não se cumpre – apenas Fux divergiu.

Crespo discorda dessa interpretação e avalia que a Corte adota uma leitura excessivamente restritiva do instrumento de defesa, uma vez que o próprio regimento interno da Corte não fixa número mínimo de votos divergentes. “Será um tema levantado pelas defesas, e elas usaram os argumentos de Fux como retórica”, afirma.

Vieira compartilha da leitura e acrescenta que as menções ao voto de Fux ajudam a embasar tanto eventuais embargos infringentes quanto uma futura revisão criminal, que pode ser proposta após o trânsito em julgado, quando não cabem mais recursos. “É uma ação que será levantada pelas defesas, e o voto de Fux traz questões que as auxiliam nesses dois caminhos”, disse.

Os recursos de Bolsonaro e dos demais réus serão analisados pela Primeira Turma a partir de 7 de novembro.

Esta reportagem foi produzida com o auxílio do Pinpoint, ferramenta do Google que ajuda a analisar grandes coleções de documentos usando recursos de pesquisa e de inteligência artificial.



Por: Estadão Conteúdo

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