cineasta Cooper Raiff, autor da série disponível na Mubi, explica escolhas

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Cooper Raiff não faz concessões. Desde Cha Cha Real Smooth, o cineasta construiu uma filmografia onde a sinceridade emocional vem antes de qualquer fórmula de entretenimento. Seus personagens tropeçam no desafio de crescer – ou descobrem que nunca cresceram de verdade. Com Hal & Harper, sua nova série de oito episódios que acabou de estrear na MUBI, Raiff vai mais fundo: dois irmãos cuja proximidade é, ao mesmo tempo, seu refúgio e sua prisão.

A premissa é simples, mas carregada de camadas. Protagonizada por Raiff, no papel de Hal, e Lili Reinhart, como Harper, a trama segue os irmãos que, após crescerem em Los Angeles, veem-se conectados em suas memórias e suas dores. A dinâmica familiar toma um rumo inesperado com o anúncio de seu pai, interpretado por Mark Ruffalo: ele vai ter um bebê com sua namorada Kate, vivida por Betty Gilpin. Isso faz os irmãos mergulharem em reflexões sobre o passado e o presente.

“A ideia surgiu há 10 anos”, conta Cooper em entrevista ao Estadão. “Era sobre crianças que crescem rápido demais. Então percebi que era uma história que alternaria entre duas linhas temporais – mostrando como eles estão, de certa forma, presos no passado. Sim, cresceram rápido demais, mas também estão emocionalmente estagnados.”

Essa dualidade se manifesta de forma única na série: os próprios atores adultos interpretam as versões infantis dos personagens. Uma escolha arriscada que, segundo Raiff, sempre foi parte integral da narrativa. “As pessoas ficavam inseguras quando liam o roteiro, mas eu sempre tive certeza. Há algo no final da série que faz você entender: essas são as mesmas pessoas. Carregamos crianças dentro de nós, e temos qualidades adultas mesmo quando crianças”, diz.

Uma atriz em busca do real

Para Lili Reinhart, conhecida por papéis como Betty Cooper em Riverdale e Annabelle em As Golpistas, Harper representou algo completamente diferente. “Fiquei surpresa e confusa com o fato de Cooper conseguir escrever mulheres tão bem, sem ser uma”, ela brinca. “Vi isso em Cha Cha Real Smooth, na forma como ele escreveu [a personagem de] Dakota Johnson. O roteiro era a melhor coisa que eu já tinha lido”.

O que mais atraiu a atriz foi a autenticidade crua da personagem – algo que ela busca mais agora . “Ela não foi escrita para um estúdio amar”, explica Reinhart, já entrando na discussão sobre Hollywood. “Desde os 12 anos atuando, e agora como produtora, você esbarra constantemente na pergunta: ‘ela é simpática o suficiente?’ É a questão mais insana que executivos levantam. Não é sobre se algo é humano ou tem algo a dizer – é sobre se o público vai gostar da pessoa. Isso é arte feita na direção errada”, afirma.

Em Hal & Harper, Harper pode simplesmente existir, com todas as suas contradições e falhas. “Não havia restrições do tipo ‘garanta que ela não traia ninguém’ ou ‘que ela seja boa irmã’. Fiquei impressionada de poder interpretar uma mulher que é apenas uma mulher”, diz.

A dinâmica de interpretar versões infantis de seus personagens trouxe desafios peculiares. Para Reinhart, trabalhar com crianças reais no set acabou servindo à construção de Harper.

“Me sinto desconfortável perto de crianças”, admite com honestidade. “Tenho que censurar minha boca, evitar soltar palavrões. Mas fez sentido – Harper se sentia deslocada entre os colegas porque estava mentalmente crescendo rápido demais. Esse desconforto me ajudou a entender que ela estava totalmente separada dos colegas de classe”, diz.

Arte com alma

Desde o sucesso de Cha Cha Real Smooth, Cooper Raiff está sob os holofotes de Hollywood. Mas o cineasta parece impermeável às pressões da indústria. “Não sinto pressão de ninguém além dos personagens que escrevo”, afirma. “É extremamente desagradável assistir a coisas que claramente não vêm da alma das pessoas. Então eu nunca vou colocar algo no mundo que não venha da minha alma. Isso eu posso prometer”.

Essa filosofia se reflete em cada frame de Hal & Harper. A série, que conta ainda com Havana Rose Liu (Bottoms) e Alyah Chanelle Scott (The Sex Lives of College Girls) no elenco, captura a assinatura de Raiff: a mistura de humor, melancolia e clareza emocional que o tornou uma voz distinta no cinema contemporâneo.

Como produtora executiva, Reinhart mergulhou profundamente no projeto. “Amei cada forma de estar mais envolvida”, conta. “Ia assistir aos cortes dos episódios enquanto eram editados, Cooper dizia ‘terminamos o episódio dois hoje’, e eu ia lá conversar sobre isso, experimentar com ele. Gosto de estar incluída e ter assento à mesa quando alguém me quer lá.”

Hal & Harper chega num momento em que séries sobre família e trauma proliferam no streaming, mas a abordagem de Raiff promete algo diferente: não apenas a análise de como fomos feridos, mas como essas feridas moldam cada relacionamento que vem depois. Como a proximidade pode se transformar em codependência. Como memória e realidade se embaralham. Como um laço formado na infância pode ser conforto e maldição ao mesmo tempo.

A série já está com seus primeiros episódios na MUBI, com novos episódios todas as semanas até 30 de novembro.



Por:Estadão Conteúdo

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