
Para muitos jovens, o primeiro contato com o sexo acontece por meio da pornografia — sem diálogo e sem cuidado. O acesso fácil a conteúdos adultos tem transformado a maneira como as novas gerações descobrem o corpo, o prazer e o desejo.
Segundo a psicóloga Laís Mutuberria, especialista em saúde mental e comportamento, esse fenômeno compromete o desenvolvimento emocional e sexual. A exposição precoce a conteúdos adultos, explica a profissional, distorce a percepção do corpo, do prazer e do vínculo e pode afetar os circuitos cerebrais ligados à recompensa e à motivação, gerando dependência e dificuldade de conexão afetiva.
A ausência de orientação adequada faz com que a pornografia ocupe o espaço que deveria ser de escuta, conversa e acolhimento. Em vez de aprender sobre respeito, consentimento e vínculo, muitos jovens constroem sua compreensão da sexualidade a partir de imagens e roteiros distantes da realidade.
Estímulo intenso e risco de dependência
Do ponto de vista psicológico e neurocientífico, a pornografia atua como um estímulo de alta intensidade, capaz de ativar repetidamente os circuitos cerebrais relacionados ao prazer e à motivação, especialmente os sistemas dopaminérgicos.
“Essa descarga imediata de dopamina cria um padrão de reforço que favorece a dependência. Com o tempo, o cérebro se acostuma à intensidade e passa a buscar doses cada vez maiores de estímulo para alcançar o mesmo nível de excitação”, explica Laís Mutuberria.
Segundo ela, o vício em pornografia não é uma questão moral, mas de saúde mental. “Ele compromete a atenção, a autoestima, a capacidade de conexão emocional e a experiência autêntica da sexualidade. A dependência em pornografia é uma realidade entre jovens e adultos. Como qualquer tipo de dependência, implica perda de liberdade — o sujeito passa a ser conduzido pelo impulso, e não pela escolha. O impulso passa a comandar o comportamento, e não a escolha consciente”, alerta.

Expectativas irreais e desconexão emocional
Adolescentes expostos precocemente à pornografia tendem a construir uma percepção distorcida do corpo e das relações afetivas. “Eles aprendem que o prazer está associado à performance e à dominação, e não à descoberta e ao vínculo”, explica a psicóloga. Entre a violência da exposição e o medo do desejo, a sexualidade de grande parte das pessoas foi moldada sem espaço para curiosidade, diálogo ou acolhimento.
Como consequência, muitos adultos tornam-se desconectados do próprio prazer, inseguros diante da intimidade e, por vezes, incapazes de reconhecer o outro como sujeito — e não como objeto. A dependência em pornografia, na vida adulta, frequentemente resulta em disfunções sexuais, isolamento e dificuldade em estabelecer vínculos afetivos genuínos.
Essa exposição precoce, segundo Laís Mutuberria, interrompe o processo natural de elaboração da sexualidade, que deveria ocorrer de forma curiosa, segura e gradual. “A pornografia impõe uma lógica de excitação imediata e poder, desconectando o sujeito da experiência sensorial e afetiva. O cérebro se acostuma à intensidade das imagens, e o encontro real perde potência”, ressalta.
O impacto também aparece na relação com o próprio corpo. “A pornografia constrói uma ideia performática do sexo, uma cena a ser representada, não uma relação a ser sentida. O corpo, que deveria ser território de encontro, se torna palco de cobrança e comparação”, diz a psicóloga.
Um problema individual e coletivo
Para a especialista, os efeitos da pornografia vão muito além da esfera individual. “O consumo massivo molda imaginários de gênero, reforça desigualdades e normaliza práticas violentas. A erotização precoce e a banalização da coerção fragilizam a capacidade coletiva de construir relações saudáveis”, explica.
Por isso, Laís Mutuberria defende políticas públicas, práticas educativas e conversas familiares que promovam um desenvolvimento da sexualidade baseado em respeito, consentimento e vínculo. “Precisamos falar sobre prazer de modo responsável, sem tabus e sem o reduzir à performance. E, sobretudo, acolher homens e adolescentes, principais consumidores de pornografia, em processos de conscientização e cuidado psicológico. Cuidar da sexualidade é cuidar da saúde mental e afetiva”, conclui.
Por Annete Morhy
Fonte: Portal EdiCase









