Onda de novas concessões acirra disputa por mão de obra no setor rodoviário

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A “onda” de novas concessões rodoviárias no Brasil, com o maior número de leilões em 17 anos, esbarra em um gargalo de mão de obra especializada. O avanço acelerado de projetos, somado à redução no ritmo de formação de profissionais, tem levado concessionárias a adotar diferentes estratégias. As iniciativas incluem investimentos em tecnologia, assim como programas de capacitação e retenção.

Entre 2015 e 2018, auge das ações da Operação Lava Jato e da crise fiscal, o País realizou apenas dois leilões de rodovias federais. De 2019 a 2022, não passaram de sete. Entre 2023 e 2025, o número saltou para 16, enquanto a meta do governo federal é entregar 35 concessões até o final do atual mandato. Em 2024, foram sete, maior marca em 17 anos. Os números não incluem os projetos estaduais, que também têm ganhado tração.

Para o CEO da MoveInfra, Ronei Glanzmann, a aceleração reflete um amadurecimento dos aspectos jurídicos e econômicos no setor de concessões. No entanto, o especialista identifica uma “dor de crescimento”, com o descasamento entre a demanda e oferta de profissionais.

“Temos financiamento disponível, bons contratos e leilões competitivos, um atrás do outro, mas está na hora de executar os projetos e há um gargalo de mão de obra”, afirma Glanzmann, representante da entidade que reúne os seis principais grupos de infraestrutura do País.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima um déficit de 75 mil engenheiros no Brasil. O País forma cerca de 40 mil profissionais da área anualmente, enquanto outros integrantes do Brics, como Rússia e China, contabilizam mais de 450 mil graduandos, de acordo com dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).

O fechamento e reestruturação de grandes empresas de construção após a Lava Jato e o maior apelo de outros setores ajudam a explicar o menor interesse pela área de engenharia, segundo o diretor executivo de Pessoas e Organização da Arteris, Roberto Paolini. “As novas gerações migraram muito para serviços, tecnologia e inteligência artificial, que se tornaram mais atrativas. No entanto, ainda precisamos muito dos engenheiros ‘hard‘, aqueles que projetam, constroem e executam”, afirma.

Enquanto isso, a pouca mão de obra disponível é disputada por outros setores, como o da construção civil, também fomentado por políticas públicas. A lista de desafios inclui ainda a alta complexidade da carreira de engenharia e baixo salário inicial na comparação com outros segmentos, avalia o sócio do escritório Bocater Advogados, Thiago Araújo. “O cenário só poderá ser modificado a partir da atualização dos cursos e uma melhoria nas projeções do mercado de trabalho”, comenta.

Estratégias

A regionalidade é uma das estratégias da EcoRodovias para atrair e reter talentos, segundo o diretor de engenharia do grupo, Filippo Chiariello. “Contratar pessoas em faculdades próximas ao local que irão atuar gera mais fidelidade, porque cria um senso de pertencimento. Funciona melhor do que trazer alguém de um grande centro e levá-la para o interior, por exemplo”, explica.

O foco na qualidade do ambiente de trabalho é outra iniciativa adotada pela EcoRodovias. “Salário e benefícios são importantes, mas o clima pesa muito”, afirma Chiariello. O executivo cita ainda a tecnologia como aliada. “Equipamentos mais autossuficientes reduzem a necessidade de mão de obra altamente especializada, enquanto a engenharia digital oferece ferramentas que ampliam a base de profissionais capazes de atuar”, explica.

A inovação também é utilizada pela Motiva (ex-CCR) para reduzir a mão de obra nos canteiros e melhorar as condições de trabalho, segundo a diretora de Pessoas da companhia, Danila Cardoso. A executiva destaca que a empresa contratou quase 500 engenheiros entre janeiro de 2024 e julho deste ano, enquanto cerca de 80 vagas seguem abertas para serem preenchidas até dezembro.

De olho nessa demanda, a Motiva fomenta parcerias com universidades. “Além de atrair jovens, buscamos profissionais experientes e criamos programas de mentoria. Também estamos em conversas com a PUC-Rio para montar nossa própria escola de engenharia, focando no ‘upskilling‘ [aprimoramento] de funcionários”, relata Danila.

A Arteris, por sua vez, aponta foco em capacitação e clima organizacional para reter talentos. Paolini ressalta que a empresa busca absorver profissionais após grandes entregas, conciliando ciclos de investimento e de pessoal. “Temos feito programas de desenvolvimento para lideranças e áreas técnicas em parceria com instituições como Fundação Dom Cabral e Fundação Getúlio Vargas”, diz o executivo.

Diante do descompasso entre formação e demanda, a Arteris criou programas próprios de capacitação para fidelizar engenheiros e reduzir o “canibalismo” entre concorrentes. Paolini alerta, no entanto, que a escassez eleva salários e pode levar a promoções aceleradas de profissionais ainda juniores, o que “compromete a qualidade da execução”.



Por: Estadão Conteúdo

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