Mais da metade da população brasileira, cerca de 56%, experimentou bebidas alcoólicas antes dos 18 anos de idade e cerca de um quarto, 25,5%, passou a beber de forma regular antes da maioridade. Os achados são do terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III), conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Entre as bebidas mais consumidas por adolescentes de 14 a 17 anos, a cerveja aparece em primeiro lugar, com 40,5% das menções. Em seguida vêm as bebidas do tipo ice, com 31,9%; os destilados, como vodka, gim e uísque, com 30,2%; e o vinho, com 14,5%. No caso do ice, a pesquisa ressalta que o sabor adocicado e o forte apelo comercial favorecem o consumo entre os mais jovens.
Os principais locais de consumo são festas, bares e, muitas vezes, a própria casa, com o incentivo ou tolerância de familiares. A influência dos amigos e do ambiente escolar também é destacada pelo estudo como um fator determinante.
O estudo, realizado com mais de 16 mil entrevistados em todo o País, mostra ainda que cerca de 75% dos jovens não tiveram nenhuma dificuldade em comprar os produtos.
Além disso, 23,3% dos brasileiros que bebem e 23,5% dos adolescentes relataram já ter comprado bebidas por preço muito abaixo do normal, indicando riscos de adulteração e contrabando. Cerca de 12% daqueles que bebem referiram que conseguiram bebidas por um preço abaixo do mercado por meio de contrabando e 10,4% dos brasileiros que pagaram valores inferiores disseram ter conhecimento de que compraram bebidas falsificadas.
Meninas bebem com mais frequência
Entre adolescentes de 14 a 17 anos, as meninas bebem com mais frequência. De acordo com o levantamento, 29,5% das meninas nessa faixa etária já haviam experimentado álcool, contra 25,8% dos meninos. Cerca de 21,6% das meninas relataram consumo no último ano, frente a 16,7% dos meninos. No último mês, os índices foram de 12,4% entre as garotas e 8,5% entre os garotos.
Por outro lado, os episódios de consumo pesado (seis ou mais doses de álcool em uma mesma ocasião) foram mais prevalentes entre meninos (38,2%) do que entre meninas (31,2%). Isso indica que, apesar de as adolescentes beberem com mais frequência, os meninos tendem a ingerir quantidades maiores quando bebem.
Os pesquisadores alertam que o uso precoce de álcool está ligado a maiores chances de dependência na vida adulta. Outro ponto importante é a associação entre o consumo de álcool e comportamentos de risco, como dirigir sob efeito de bebida, violência, sexo desprotegido e evasão escolar.
“Os adolescentes desenvolvem mais transtornos (associados ao álcool), independentemente de classe social, educação e sexo”, destaca Clarice Madruga, coordenadora do Lenad e professora na Unifesp.
Olivia Pozzolo, psiquiatra e médica pesquisadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), ressalta que cérebro do adolescente ainda está em formação e o consumo de bebidas alcoólicas interfere nas áreas ligadas à memória, atenção e controle de impulsos. “Isso pode deixar marcas duradouras: mais dificuldade de aprender, comportamento mais impulsivo e alterações de humor”, diz.
“A mensagem é direta: álcool não é seguro na adolescência e vale proteger esse período com limites claros em casa e supervisão da venda e do uso”, adiciona Olivia.
Práticas ilícitas
Clarice ressalta que o álcool não é a única substância ou prática ilícita à qual os adolescentes têm acesso. Eles também têm contato com o tabaco e as bets.
Segundo a pesquisa, 7,9% dos adolescentes de 14 a 17 anos já experimentaram tabaco alguma vez na vida, o que representa cerca de 1 milhão de jovens brasileiros. Desses, mais da metade (56%) relata uso de cigarros saborizados. Além disso, 37,6% dos fumantes adolescentes afirmam ter começado a fumar antes dos 14 anos.
Entre o público mais jovem, os cigarros eletrônicos (vapes) são um ponto de atenção. O Lenad aponta que 8,7% dos adolescentes de 14 a 17 anos fizeram uso de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF) no último ano, uma taxa maior do que entre adultos (5,4%). A prevalência é maior entre meninos (7,3%) do que meninas (4,1%).
Entre aqueles que experimentaram esses dispositivos, 76,3% relataram uso no último ano, e 31,8% no último mês, o que indica uma alta taxa de conversão para uso regular. O levantamento também mostra que 86,3% dos usuários consideram o acesso aos dispositivos fácil ou muito fácil, apesar de sua venda ser proibida no Brasil.
No caso das bets, os dados indicam que, mesmo sendo proibidos para menores de 18 anos, cerca de 10,9% dos adolescentes brasileiros já participaram de algum tipo de jogo de apostas.
As apostas esportivas online dominam o cenário entre adolescentes. Mais de 70% dos que apostaram usaram plataformas digitais, muitas vezes por meio de sites e aplicativos estrangeiros, o que dificulta a fiscalização. O percentual de meninos que relataram já ter apostado é superior ao de meninas: 15,7% contra 6,3%.
As principais motivações relatadas pelos jovens foram:
Curiosidade: 37%;
Influência de amigos: 28%;
Ganhar dinheiro: 25%.
Entre os jovens que já apostaram, 2,2% apresentaram sinais de comportamento problemático. Ou seja, mostram dificuldade em parar de jogar, mentem sobre o hábito ou apostam valores elevados. O estudo observa que o envolvimento precoce com essa prática está associado a maior risco de endividamento, evasão escolar e sintomas de ansiedade e depressão.
Políticas públicas
Segundo Clarice, a principal forma de contornar a situação é por meio de políticas públicas. “Todas as melhores práticas e os órgãos de referência internacional concordam que, quando se trata de acesso de adolescentes, as estratégias não devem ser voltadas diretamente para eles, como, por exemplo, programas de prevenção em escolas, que são importantes, mas não suficientes.”
No caso das bebidas, por exemplo, as políticas devem atingir os responsáveis por vender os produtos. “Se não houver uma política mais rígida contra, por exemplo, venda informal de ‘litrão’ na frente da escola ou contra venda de vape na banca de jornal da esquina da escola, não adianta o programa escolar ser maravilhoso. Tem que ter políticas de restrição de acesso ambiental”, defende a pesquisadora.
Por: Estadão Conteúdo