Isto É - O Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede de saúde complementar passarão por um teste decisivo nos próximos meses. O crescimento do número de casos confirmados de Covid-19 pressionará a estrutura de atendimento existente e vai repercutir principalmente no uso de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Especialistas advertem que o avanço da infecção e o aumento de casos graves podem causar um colapso no sistema por falta de leitos.
O SUS padece, dia após dia, de problemas específicos no atendimento, na gestão de equipamentos e de pessoal e, mais recentemente, de problemas orçamentários: o aporte financeiro do Ministério da Saúde previsto para 2020 é de R$ 136 bilhões, menor do que no ano passado, que foi de 147 bilhões. Agora, a demanda causada pelo coronavírus, vai se somar aos problemas existentes porque as pessoas continuarão tendo outras doenças.
O momento mais difícil da Covid-19 é quando ela causa debilidade respiratória grave, chamada de hipoxemia, que exige o uso de respiradores artificiais no paciente. É como se o pulmão estivesse plastificado. Há necessidade de internação e isolamento respiratório porque o principal mecanismo de transmissão acontece por gotículas e é significativo o risco de contaminação de outros pacientes e dos profissionais de saúde. É algo que requer adequação da capacidade física dos locais de atendimento, além de eficiência na gestão de leitos de UTI existentes. Adiar cirurgias não emergenciais é fundamental para liberar espaço para doentes da Covid-19.
O País dispõe de cerca de 55 mil leitos de UTI, metade do SUS e metade da saúde complementar. O problema é que apenas 25% da população tem acesso à saúde suplementar, que fica com a metade dos leitos. Os outros 75% dos pacientes, que utilizam o SUS, ficam com a outra metade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde indicam que deve haver de um a três leitos para cada dez mil habitantes.
Considerando todos os leitos de UTI do Brasil, há mais ou menos dois leitos para cada dez mil habitantes. Embora, em situação de normalidade o país esteja dentro da recomendação da OMS, a estrutura disponível não está dimensionada para suportar os efeitos de uma pandemia. Em São Paulo, o governo já anunciou a instalação de 1,4 mil leitos adicionais e outros estados também estão reforçando sua estrutura de atendimento. Mesmo assim, há o forte temor de que faltem camas de UTI. As regiões Norte e Nordeste podem ficar desassistidas. A taxa de ocupação média nas UTIs privadas é de cerca de 80%. Já nos hospitais públicos, essa taxa é de impressionantes 95%, segundo a Associação Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
O médico intensivista Wilson Oliveira, membro da diretoria da AMIB, diz que serão necessários pelo menos mais dois mil leitos de UTI para suprir a necessidade imposta pelo coronavírus. O Ministério da Saúde afirma, em nota, que já autorizou o envio de 200 dos 540 leitos de UTI volantes de rápida instalação. Serão destinadas 80 unidades para São Paulo, 40 no Rio de Janeiro, 30 no Rio Grande do Sul e 50 em Minas Gerais. Esse reforço na rede hospitalar do SUS prevê um gasto de R$ 396 milhões. “Algo como 80 % dos casos são leves, 20% necessitam de internação e destes, 15% de UTI, pois precisam de suporte de aparelhos de ventilação artificial”, disse Oliveira.
Um cenário pessimista
Pelo cenário mais otimista projetado pelo governo, a crise pandêmica da Covid-19 pode contaminar 460 mil pessoas só no estado de São Paulo, 1% da população. Na hipótese mais pessimista, porém, o número de infectados pode chegar a 4,6 milhões de pessoas, 10% da população. Nesse caso, 690 mil pessoas precisarão de leitos de UTI. Em qualquer situação, todo o sistema será colocado à prova, assim como a capacidade de gestão em saúde nas três esferas de governo. No cotidiano, a população tem que fazer sua parte e seguir os protocolos de higienização, locomoção e contato.
Para o médico infectologista José Luiz de Andrade Neto, professor titular da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, os hospitais precisarão trabalhar duro para não oferecer um ambiente favorável para a disseminação infecciosa, adequar seus espaços de atendimento das pessoas infectadas e controlar seus ambulatórios, locais que oferecem o primeiro atendimento antes da internação hospitalar. “A situação é difícil e requer sacrifício da população”, diz.
Ao comparar a Covid-19 com outras enfermidades, como gripes e pneumonias, que matam por ano 80 mil pessoas (só o vírus Influenza causa uma média de 500 mortes anuais), o infectologista diz que o novo coronavírus tem capacidade maior e mais rápida de expansão.
Segundo ele, o período mais crítico da pandemia deve durar de três a quatro meses. “O coronavírus se espalha mais rápido que a H1N1”, diz. Os problemas atuais relacionados à pandemia do coronavírus, somados às deficiências pontuais e históricas do SUS, vão empurrar o sistema de saúde brasileiro para o maior teste de sua história e torná-lo ainda mais importante para garantir o bem-estar da população. O que não pode faltar são leitos UTI para atender os doentes e salvar vidas.